Anos de estudo e vivência profissional como violinista na Europa me colocaram diante de bibliotecas, salas de concerto, conservatórios de música e muita preservação da história cultural e musical do velho continente. Museus impecáveis, instrumentos restaurados, partituras manuscritas preservadas e zeladas como pequenos tesouros.
Para minha surpresa foi lá, no velho continente, que me deparei com quem reverenciasse a nossa música, as nossas danças, os nossos instrumentos, a nossa literatura, nossa língua e nossos gênios e gênias das artes.
Movida por um sentimento de resgate de minha brasilidade, realizei concertos dedicados ao “nosso”, antes de voltar ao Brasil.
Também para minha surpresa descobri que na Holanda, França, Espanha, Portugal e em outros países havia clubes de choro. Presenciei muitas rodas em que soavam Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Jacob do Bandolim, Ernesto Nazareth, Waldir Azevedo… os europeus estudavam pandeiro, cavaquinho, bandolim, violão de 7 cordas, tocavam nossa música, e falavam português…
De volta ao Brasil, iniciei então uma jornada em busca do “nosso”. Como estavam nossas partituras, nosso legado musical, nossas memórias, nossos tesouros, nossos artistas da música tão celebrados no “lado de lá”?
A resposta não podia ser mais trágica. Em um país gigante, de cultura musical espetacular, volumosa, que atravessa séculos e tem uma diversidade incrível de manifestações musicais, nosso patrimônio é desconhecido pela grande maioria.
Está embolorando, fechado em caixas, baús, estantes e armários abandonados em igrejas, bibliotecas, museus, antigos conservatórios, arquivos públicos, e com muita sorte não foi para o lixo…
Em São José dos Campos conheci o Clube do Choro Pixinguinha, em 2006, e passei a me somar aos chorões da cidade para levar adiante esta cultura genuinamente brasileira.
Fiz grande amizade com o seu líder e fundador, José Antônio da Cunha (o “maestro Cunha”), que me mostrou a quantidade de partituras, recortes de jornal, fotos, gravações, projetos e tantos outros documentos que guardou em sua residência ao longo de todo o percurso que fez como músico, em muitos estados brasileiros.
Visita a acervo particular do maestro Cunha, em 2017 (Créditos: Arquivo pessoal)
A história musical do país, através da sua própria, estava em infinitos envelopes e caixas, acondicionados como podiam e onde cabiam: “São três quartos cheios deste material. Vou ver se arranjo um local aqui em São José pra gente colocar isso. Nós vamos fazer, você me ajuda”, disse à mim em uma entrevista em maio de 2014.
Com o apoio da família Cunha e da AFAC (Associação para o Fomento da Arte e da Cultura) para receber o material, em 2017 iniciamos a transferência de todo o acervo para o Parque Vicentina Aranha.
70 caixas foram disponibilizadas pelo musicólogo Dr. Paulo Castagna, e meus ajudantes entraram em ação: meu pai (José Aranha) e um amigo (Lucas Faria). Uma verdadeira rede colaborativa e voluntária, pela mesma causa.
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Maestro Cunha em sua residência, em São José dos Campos, e parte de seu acervo acondicionado em caixas de transferência. Foto de 2017 (Créditos: Arquivo pessoal)
Este foi o pontapé para o nascimento do que se tornou o Centro de Documentação Musical de São José dos Campos (o CDM SJC), que desde 2022 funciona no Pavilhão Marina Crespi, no Parque Vicentina Aranha.
Um projeto piloto, raro no país, coordenado por mim após estudos na Espanha e no Brasil sobre preservação de arquivos musicais, e financiado de 2022 a 2023 com recursos públicos (edital do PROAC/Secretaria da Cultura, Economia e Indústrias Criativas).
O desejo do maestro se cumpriu, e hoje o CDM já conta com mais de dez acervos de música, carinhosamente entregues pelos seus guardiães.
O papel de um Estado brasileiro que vem se ausentando é feito por pessoas como o maestro Cunha, Yolanda Borghoff, Jorge Israel, Paulo Locatelli, Marcílio Lima, Paulo Azevedo, Isis Moreira, Clara Zarur, Mara Muricy, Mary Bassi, e instituições fundadas por devotas e devotos da música brasileira, como o CDM, o Instituto Jacob do Bandolim (RJ), a Casa do Choro (RJ), o Instituto Piano Brasileiro (DF), o Memória do Cavaquinho Brasileiro (RJ), o Musicabrasilis (RJ) e outros poucos no país.
Como garantir a continuidade de nossas ações para proteger um patrimônio que é nacional, se dependemos de aprovação em editais, patrocínios e campanhas de doações? Falta política de Estado de longo prazo.
O renascimento do Ministério da Cultura (MINC), em 2022, trouxe a elaboração coletiva de um Plano Nacional de Cultura que será analisado, debatido e votado pelo Congresso para ser implementado, de 2025 a 2035.
Através de consulta pública, na plataforma Brasil Participativo, cidadãos e cidadãs podiam enviar suas propostas para serem analisadas e escolhidas por voto popular.
Por esta pequena porta inscrevi uma meta para a proteção urgente do Patrimônio Musical Brasileiro, a partir das experiências consolidadas pelo CDM SJC.
Por uma mobilização espetacular de joseenses e de pessoas de todas as regiões do país, conseguimos ter o primeiro lugar no Eixo 3 – Patrimônio e Memória, e alcançamos o quarto lugar entre as 1.214 propostas enviadas para análise.
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Em breve terei uma reunião com a equipe do Ministério da Cultura e levarei o projeto inovador desenvolvido aqui em São José dos Campos. O assunto é muito sério, será analisado pelo Minc e pelo Congresso, e pode se tornar um modelo a ser implementado no país.
Nesta pequena vitória que já é de todos nós, serei porta-voz de experiências e soluções práticas contra o abandono de nossa memória e história musical. Nosso país merece ter aqui dentro o reconhecimento de toda essa grandeza.
O primeiro passo foi dado, como diz meu pai. Mas lá na frente venceremos todos!
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