Não é exagero, São José dos Campos poderia ter o título de cidade-piano.
Quem nos conta essa história? Os documentos, os programas de concerto, os recortes de jornais, as inúmeras fotos, as gravações realizadas de forma caseira, os pianistas que aqui residiram, e as lembranças de quem viveu este momento… todos esses registros incríveis de um passado não muito distante estão preservados no Centro de Documentação Musical de São José dos Campos, o CDM, coordenado por mim.
A cada caixa aberta, novas descobertas vão traçando a história musical da cidade, ainda pouco conhecida.
Por aqui se apresentaram renomados pianistas, inúmeras vezes, em teatros públicos da cidade, e em saraus privados organizados por Yolanda Borghoff (1925-2023), Lucy Asdente e Rosana Civile (ambas pianistas).
Lucy, através da série privada “Virtuoses da Música”, vem mantendo uma programação impecável de artistas nacionais e internacionais em torno do piano. Rosana, através dos saraus promovidos pelo Núcleo Hespérides no Espaço Civile, divulga inúmeras obras para o instrumento, de compositores e compositoras brasileiras. Yolanda, como presidente da Sociedade de Cultura e Educação Musical (SOCEM), trouxe artistas como Nelson Freire (1944-2021), do qual era amiga pessoal.
Uma das apresentações do Nelson, de 15 de julho de 1976, na Sala Veloso, foi gravada em fita-cassete, e é um verdadeiro tesouro: é o único registro conhecido do artista tocando o Andante spianato e a Grande polonaise de Chopin, como atestou Alexandre Dias, presidente do Instituto do Piano Brasileiro (IEB), do qual o CDM é colaborador.
Não menos importante foi a atuação do extinto Conservatório Musical Santa Cecília (1947-c.1990?). Conduzido por Herminia Almeida Oliveira (fundadora, primeira diretora e professora) e posteriormente por Margarida Teixeira d’Avila, formou uma verdadeira legião de pianistas na cidade (como o ex-prefeito Joaquim Bevilacqua), alguns dos quais foram entrevistados no CDM:
Também em torno do piano, desde 2018 vem ocorrendo as residências artísticas no Centro Ambiental Artístico e Cultural Edoardo Bonetti, o CAEB, no qual realizo a direção artístico-cultural. Através deste programa, um dos únicos no país, pianistas como Zélia Marão, Evan Megaro, Hércules Gomes e Cristian Budu puderam aprofundar seus repertórios e pesquisas, e oferecer momentos valiosos para novos pianistas: masterclasses gratuitos na cidade.
Para completar esta bela trama pianística, a cidade também foi residência de grandes pianistas, como o compositor Benjamim Silva Araújo (1902-1985) e a renomada Isis Costa Mendes Moreira (1934 – 2024), mais conhecida como Ísis Moreira.
Ísis Moreira e Beethoven
Natural de Cachoeira de Itapemirim (ES), faleceu recentemente em São José dos Campos no dia 29 de agosto de 2024, onde residiu, se apresentou e lecionou piano por longos anos.
Para se ter uma noção da grandeza da artista que se aperfeiçoou com Hans Graf e Bruno Seidlhofer (na Academia de Viena), entre suas maiores conquistas está a gravação que realizou em 1972 da Sonata op.106 de L. V. Beethoven, a Hammerklavier, dada como a primeira, mundial, realizada por uma pianista do gênero feminino:
Na década de 1970, Ísis Moreira se apresentava na TV-2 Cultura, no MASP, no Teatro Municipal de São Paulo, e também participava de ações regionais como o programa “Ação-Arte Valeparaíba 75”. Em seu rico acervo, doado ao CDM pelos familiares, se encontram fotos que atestam sua parceria com o compositor Almeida Prado (1943-2010), de quem tocou a peça Exoflora com a Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, sob regência do próprio Almeida Prado, em 1975:
Também no acervo estão inúmeras fotos que atestam a amizade de Ísis Moreira com a pianista e compositora Dinorá de Carvalho (1905-1980). A Compositora dedicou a ela a Sonata N.1 “Quedas do Iguaçu”, aqui executada pela própria Ísis:
Os pianistas do CDM
O Centro de Documentação Musical dispõe de um piano de armário, doado por uma das fundadoras da SOCEM, Mery Aidar Bassi. Fica no hall de entrada do Pavilhão Marina Crespi (Sala Yolanda Borghoff), no Parque Vicentina Aranha. Um piano antigo, de belíssimo som, e bastante preservado:
Foram tantos os pedidos recebidos para tocar no instrumento que o CDM abriu um formulário para que os interessados pudessem ter acesso ao piano. E assim nasceu “Os Pianistas do CDM”, um time de 10 apaixonados pelo instrumento, de diversas gerações e bagagens culturais que, semanalmente puderam ter um horário privado para se dedicar aos seus repertórios. Entre eles, Vera Regina Dell’ Aquila Santos, ex-aluna do Conservatório Musical Santa Cecília, alguns mestrandos e doutorandos do INPE (Vinícius D’Lucas, Matheus Vieira e Fernando Marques) e um pesquisador do INPE (e também compositor) Rubens Gatto:
Os círculos em torno do piano parecem atemporais, e continuam nutrindo profissionais e amadores na cidade. E pouco a pouco vão se revelando fatos e movimentos culturais que aqui ocorreram, pouco conhecidos ou esquecidos, demonstrando que a grandeza cultural da cidade foi construída por muitas personalidades, entre artistas, gestores e amadores, em distintas épocas e expressões artísticas, a quem agradecemos pela paixão em torno da música.
Para conhecer mais o trabalho de preservação de patrimônio musical realizado no Centro de Documentação Musical (CDM), visite o site www.cdmsaojose.com e siga no Instagram @cdmsaojose.
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