O Brasil possui uma responsabilidade ambiental imensa, mas frequentemente negligenciada, com um território que abriga cerca de 95 milhões de hectares de áreas degradadas passíveis de restauração, segundo um estudo da iniciativa Trillion Trees.
Essa extensão representa uma área maior que países inteiros, como a Venezuela, e simboliza uma oportunidade inigualável para equilibrar os interesses econômicos com os desafios ambientais.
A restauração dessas áreas poderia não apenas contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, mas também viabilizar o pagamento por serviços ambientais, um modelo que incentiva a preservação e oferece retorno econômico para aqueles que protegem a natureza.
Apesar desse potencial, a priorização do valor econômico imediato sobre os benefícios a longo prazo ainda domina as decisões no Brasil e no mundo. Como bem destacou Marcelo Cardoso, presidente do Regenera Yama, no recente podcast ESG na Prática no portal spri0omais “enquanto uma baleia ou árvore mortas valerem mais que vivas… ou o mecanismo de incentivo do sistema for econômico ou lucro, é muito difícil qualquer dessas agendas prosperarem”.Ou seja, enquanto explorarmos os recursos naturais de maneira predatória, estaremos condenando o futuro a um cenário de instabilidade ambiental, econômica e social.
Essa lógica distorcida é visível, por exemplo, na pressão pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas, onde o Ibama alertou sobre os altíssimos riscos ambientais envolvidos. Mesmo com estudos indicando impactos ambientais graves, como a ameaça a espécies endêmicas e a possíveis desastres irreversíveis, os interesses econômicos prevaleceram sobre as recomendações técnicas.
Essa possível decisão reflete uma falha crônica no sistema jurídico e regulatório brasileiro, que não apenas permite, mas frequentemente incentiva práticas de alto impacto ambiental sem a devida responsabilização.
Como vimos no caso emblemático no desastre de Mariana, onde a ausência de condenações criminais para as mineradoras diretamente ligadas ao maior desastre ambiental do Brasil escancara a fragilidade do nosso sistema jurídico. Empresas, diretores e técnicos envolvidos foram absolvidos ou não foram devidamente responsabilizados, enviando um recado claro de impunidade e reforçando a ideia de que os danos ambientais podem ser tratados como externalidades aceitáveis.
Essa realidade também se reflete na falta de ações robustas para restaurar áreas degradadas. Segundo revela a 3º edição do estudo ‘Panorama do Código Florestal’ divulgado nesta quinta-feira (4) e realizado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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O estudo menciona que há um déficit de implementação efetiva das políticas previstas no Código Florestal Brasileiro, que exige a recuperação de áreas de preservação permanente e reservas legais. O Brasil poderia se tornar um líder global em economia regenerativa, mas a execução dessas diretrizes enfrenta entraves políticos, econômicos e jurídicos, que perpetuam um modelo baseado em exploração e desmatamento.
O custo dessa inércia é alto. Dados globais indicam que restaurar áreas degradadas poderia capturar até 2 bilhões de toneladas de CO2 por ano, contribuindo significativamente para mitigar os impactos das mudanças climáticas. Porém, enquanto os interesses imediatos continuarem a se sobrepor aos benefícios de longo prazo, o país permanecerá distante de seu potencial sustentável.
É urgente repensar nossas prioridades. A valorização da vida, da biodiversidade e dos ecossistemas deve prevalecer sobre interesses econômicos de curto prazo. Somente assim poderemos construir um futuro em que desenvolvimento e preservação caminhem juntos, garantindo não apenas a sobrevivência do planeta, mas também o bem-estar das próximas gerações.
Para alcançar essa transformação, a governança desempenha um papel essencial. A adoção de práticas ESG robustas, especialmente no pilar de governança, pode garantir que decisões sejam tomadas com transparência, responsabilidade e visão de longo prazo.
Um sistema jurídico mais eficaz, aliado a políticas públicas bem estruturadas e fiscalizações rigorosas, poderia criar incentivos para a restauração ambiental e desestimular práticas predatórias.
Indo além, governos e empresas com compromissos sólidos em ESG têm a oportunidade de liderar pelo exemplo, promovendo a regeneração de áreas degradadas e demonstrando que a integração entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental não é apenas viável, mas essencial para a sustentabilidade global.
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