Três semanas atrás, no palco do Festival Mais Gastronomia, tive o privilégio de mediar um encontro transformador entre Carlos Nobre, uma das maiores vozes do mundo sobre mudanças climáticas, e o secretário Marcelo Manara, de Urbanismo e Sustentabilidade de São José dos Campos.
Dali derivou a entrevista que acaba de ir ao ar. Ao lado de Fabiano Porto, tivemos a honra de conduzir o podcast ESG na Prática, e compartilho aqui, nesta coluna, as reflexões mais impactantes que surgiram dessa troca. Porque Carlos Nobre não fala apenas de ciência: ele fala de destino. O nosso.
São raras as ocasiões em que vemos os olhos de um cientista brilharem ao falar de amor. Um amor pela natureza, pela vida, pelo que ainda podemos preservar. Sua consciência ambiental não nasceu nos livros, mas das experiências vividas na infância, de um contato íntimo com o mundo natural.
E foi essa conexão que o guiou até onde está hoje. Proteger o que ainda nos resta é um compromisso com o futuro do planeta, não apenas por nós, mas por tudo o que vive e ainda vai viver aqui.
Formado pelo ITA, doutor pelo MIT, co-vencedor do Nobel da Paz junto ao IPCC e autor de mais de 250 artigos científicos, Carlos Nobre poderia repousar sobre suas conquistas. Mas prefere seguir em campo, como quando sobrevoava a floresta com o brigadeiro Paulo Vitor nos anos 70, buscando entender a Amazônia por dentro — suas rotas de chuva, seu ciclo vital, sua beleza ameaçada.
Aos 73 anos, Nobre é um cientista de alma jovem. É também um contador de histórias. Lembra do primeiro contato com a natureza, aos seis anos. O cheiro da terra molhada, os sons da mata, os rios caudalosos.
Conta que o pai foi jogador de futebol, que em um tempo não muito distante acreditava-se que cobra e onça eram “coisas do demônio” — até descobrir que os povos indígenas, ao contrário, veem os animais como irmãos.
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Foi essa sabedoria ancestral que o levou a idealizar a Amazônia 4.0, um novo modelo de desenvolvimento baseado na bioeconomia e no conhecimento tradicional, onde o cupuaçu vira “cupulate”, onde a terra preta de índio guarda segredos da regeneração do solo, e onde 15% da floresta poderia, com ciência e respeito, alimentar o mundo inteiro.
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Mas tudo isso depende de escolhas. E é aí que entra o “G” do ESG: Governança. Governança climática, governança pública, governança empresarial. Um país que sediará a COP30 em Belém não deveria, ao mesmo tempo, aprovar a exploração de petróleo na foz do Amazonas.
Essa é a contradição, a dicotomia que atravessa o Brasil e que Nobre denuncia com serenidade, mas sem anestesia. “Estamos diante de um ponto de inflexão”, afirma.
“Se continuarmos destruindo a floresta, ela pode colapsar e se transformar em savana — e o clima do planeta mudará com ela.”
Durante a conversa, ele ainda alerta para os “rios voadores” — correntes de vapor que partem da Amazônia e irrigam boa parte da América do Sul — e para o risco real de que o Cerrado vire Caatinga. Fala também de epidemias, das seis milhões de mortes por poluição no Brasil, da urgência de zerar as emissões até 2040. E, mesmo assim, não perde a fé.
A esperança, para ele, não é ingênua — é estratégica. Exige investimentos em ciência, valorização da biodiversidade como ativo econômico, e superação de gargalos culturais que ainda fazem a floresta parecer um problema, quando na verdade ela é a solução. (Sempre gosto de citar Ailton Krenak e seu conceito de que o futuro é ancestral — isto é, o futuro é reconectar-se com os saberes ancestrais — e vejo como conecta-se com a fala de Nobre).
Nobre não nos oferece conforto, mas nos devolve responsabilidade. E isso, em tempos de greenwashing e negacionismo, é uma forma profunda de respeito.
Ao final da entrevista, ao ser perguntado sobre qual lição ou aprendizado gostaria de deixar, ele responde com simplicidade comovente e convite sugestivo: a natureza o formou como ser humano — nas idas ao mar, passeios nas florestas que marcaram sua infância, no bem psicológico que ela é capaz de proporcionar.
A receita é simples: quanto mais cedo expusermos nossas crianças à natureza, maior a chance de que aprendam a amá-la. E quem ama, cuida.
A vida tem me presenteado com encontros luminosos, gente que carrega propósito no olhar e acredita que é possível mudar o mundo. Carlos Nobre é um desses encontros que ficam. E depois de ouvi-lo, entendi que viver é mais gratificante quando a gente inspira os outros a fazerem o seu melhor pelo coletivo.
Ele me inspira não só pelo sonho generoso que carrega, mas, sobretudo, por nos lembrar que a esperança não é esperar — é agir. E, diante do colapso, desistir não pode ser uma opção.
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