A presente semana é marcada por uma das mais significativas celebrações do calendário judaico: o Pessach (ou Páscoa Judaica), que rememora o êxodo dos hebreus do Egito e o fim de séculos de escravidão.
De acordo com a narrativa bíblica, a fuga dos judeus da opressão egípcia marca o nascimento de uma nova liberdade e identidade, que se consolidaria através da travessia pelo deserto rumo à Terra Prometida.
No contexto das tradições judaicas, o Pessach é também um tempo de reflexão e renovação espiritual, simbolizado pela refeição ritual chamada Seder.
Durante o Seder, cada alimento tem um significado profundo, relembrando a dureza da escravidão e, ao mesmo tempo, a promessa de libertação e transformação.
Dentre todos esses alimentos, o Gefilte Fish tem um papel central. Um dos pratos mais emblemáticos dessa tradição, cuja origem remonta a séculos de história e adaptação cultural das comunidades judaicas asquenazes na Europa Central e Oriental.
Este prato, aparentemente simples, carrega consigo uma rica memória cultural e uma série de transformações que o tornam um ícone da culinária judaica, não apenas como um alimento, mas como um símbolo de resistência e adaptação às adversidades ao longo do tempo que curiosamente tem sua origem a partir de um prato cristão utilizado no período da Quaresma.
Para compreender melhor a origem desse prato, é necessário um breve panorama da história das comunidades judaicas asquenazes.
Já no século X, por volta do ano 900, havia presença judaica no vale do Reno, especialmente nas cidades de Mainz, Worms e Speyer — hoje localizadas na Alemanha. Essas comunidades formaram o núcleo do que viria a ser conhecido como judaísmo asquenaze.
A partir do século XII, os judeus começaram a migrar para o Leste Europeu — principalmente para a Polônia, Lituânia, Ucrânia e partes da Rússia — em razão das perseguições religiosas ocorridas durante as Cruzadas e, mais tarde, da devastação provocada pela Peste Negra (1347–1351).
Inicialmente, essas comunidades foram bem recebidas, especialmente na Polônia, entre os séculos XIV e XVI.
Reis como Boleslau, o Piedoso (que em 1264 outorgou a “Carta de Kalisz”) e posteriormente Casimiro III, o Grande (no século XIV), ofereceram aos judeus garantias jurídicas, liberdade de comércio, autonomia comunitária (inclusive com cortes rabínicas próprias), isenção parcial de tributos feudais e a permissão de residir em áreas rurais — o que era proibido em muitos outros reinos europeus.
Esse contexto favorável propiciou o florescimento das comunidades judaicas e a consolidação de tradições culturais, incluindo a culinária.
É nesse ambiente que o Gefilte Fish começou a ser elaborado. A palavra “gefilte” deriva do iídiche (língua falada pelos judeus asquenazes) e significa “recheado”.
O prato originou-se da prática medieval de rechear a pele do peixe com sua própria carne moída, misturada com pão e ervas.
Curiosamente, essa técnica tem raízes em um costume camponês cristão, o Gefüllter Fisch (peixe recheado), consumido durante a Quaresma, quando o consumo de carne era proibido. Era um prato festivo, com aparência elaborada, moldado no formato original do peixe.
Com o tempo, o prato foi adaptado às normas alimentares judaicas (kasher) e aos costumes do Shabat, o dia sagrado de descanso semanal.
A preparação do peixe moído misturado a outros ingredientes permitia evitar a manipulação excessiva durante o Shabat, especialmente a separação de espinhos, o que seria proibido pelas leis da Halachá.
Além disso, a cocção em caldo de ossos, peles e cabeças produzia uma gelatina natural ao esfriar, contribuindo para a conservação do alimento em tempos em que a refrigeração era inexistente.
Durante o século XVII, as comunidades judaicas do Leste Europeu enfrentaram um período de instabilidade com as guerras que devastaram a Polônia e a Lituânia, os massacres cossacos de 1648–1649 e, posteriormente, o colapso econômico após as partições da Polônia no século XVIII.
Sob o domínio do Império Russo e diante de crescente empobrecimento, o Gefilte Fish assumiu um papel ainda mais simbólico: representava a criatividade e resiliência do povo judeu, permitindo alimentar um maior número de pessoas com recursos limitados.
Peixes de água doce como carpa, lúcio e peixe branco eram os mais utilizados.
Conforme as regiões, o prato ganhou variações: na Polônia, por exemplo, passou a ser preparado com um toque adocicado, enquanto em áreas como a Lituânia, preferia-se uma versão mais salgada ou levemente apimentada.
Leia mais: Do Paleolítico ao prato: a jornada dos crustáceos na história e na nossa mesa
Quando milhões de judeus da Europa Central e Oriental migraram para os Estados Unidos entre o final do século XIX e o início do século XX, trouxeram consigo não apenas suas esperanças por uma vida melhor, mas também seus idiomas, seus livros sagrados — e suas receitas. Entre elas, o Gefilte Fish, um prato simples, mas carregado de significados.
Por volta de 1880 a 1924, cerca de 2,5 milhões de judeus asquenazes deixaram regiões como Polônia, Lituânia, Ucrânia e Rússia, fugindo de perseguições, pobreza extrema e instabilidade política.
Chegaram a cidades como Nova York, Chicago e Filadélfia, onde se estabeleceram em bairros étnicos — como o famoso Lower East Side de Manhattan.
Ali, recriaram suas tradições, mas com os ingredientes e condições disponíveis. O peixe de água doce, base tradicional do Gefilte Fish, ainda era acessível — encontrado nos mercados locais ou até nos rios próximos, como o Hudson.
As cozinheiras adaptavam a receita aos produtos americanos, muitas vezes utilizando carpas criadas em viveiros ou peixes enlatados.
Nos anos 1930–1940, empresas como Manischewitz e Mother’s começaram a produzir Gefilte Fish enlatado, um marco na transformação do prato em ícone da comida judaica americana.
Os bolinhos vinham mergulhados em gelatina de peixe, muitas vezes com uma rodela de cenoura por cima, e eram servidos com raiz-forte (horseradish) colorida com beterraba.
Essa versão industrializada era prática e acessível, e passou a simbolizar o Shabat e o Pessach nas casas judaicas.
Era especialmente importante para as gerações posteriores, que não sabiam (ou não queriam) preparar o prato do zero, mas desejavam preservar algum vínculo com suas raízes — mais prático impossível.
Com a urbanização e a perda gradual da tradição de cozinhar em casa, ele se tornou o “atalho” simbólico entre a geração dos imigrantes da Europa Oriental e os seus descendentes.
Mas com o tempo, o prato começou a perder prestígio. Nas palavras da escritora culinária Joan Nathan, “o gefilte fish virou alvo de piada: era o prato que todos lembravam, mas poucos queriam comer.”
O cheiro forte, a aparência pouco convidativa e a textura peculiar o tornaram sinônimo de algo ultrapassado — um vestígio de um tempo que a modernidade parecia querer deixar para trás.
Foi então que uma nova geração de chefs e cozinheiros judeus, filhos e netos dos imigrantes, decidiu fazer as pazes com o gefilte fish — mas do seu jeito. Em vez da versão industrializada, passaram a recriar receitas artesanais, saudáveis, bonitas e saborosas.
Autores como Jeffrey Yoskowitz e Liz Alpern, com seu livro The Gefilte Manifesto, lideraram esse movimento. Eles resgataram técnicas tradicionais — como moer o peixe fresco e cozinhá-lo em caldo de ossos e ervas —, mas com ingredientes sustentáveis, menos açúcar e sem conservantes.
O resultado? Bolinhos dourados assados no forno, servidos com molhos de raiz-forte fresca, maionese de dill ou vinagretes cítricos.
Outros foram ainda mais longe: surgiram versões com salmão, com toque de limão-siciliano e alcaparras, variações vegetarianas e até Gefilte Fish vegano, feito com grão-de-bico e algas, respeitando o espírito do prato original — o de unir pessoas em torno da mesa.
Hoje, o gefilte fish vive um momento de resgate. Nas festas judaicas, ele ainda aparece — seja na forma clássica em algumas famílias, seja em versões gourmet em restaurantes modernos de Nova York, Tel Aviv ou São Paulo.
Não é mais uma obrigação cerimonial, mas uma escolha afetiva, um símbolo de conexão com a ancestralidade.
Comemos gefilte fish em qualquer época do ano. É um prato saboroso e que venho tentando recriá-lo para que meus amigos também possam apreciá-lo. A versão polonesa com açúcar é a que mais gostamos.
Mas essa não é unanimidade entre os convidados, que muitas vezes fazem careta quando sentem o sabor adocicado.
Ai tem aquele que não gosta de peixes de rio, outros não gostam do mar. Em fim um prato para nos divertirmos, tanto no preparo quanto na própria degustação. Atualmente a versão que uso é uma mais moderna com salmão, robalo combinados.
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