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Cozinha sem Chef

Do Paleolítico ao prato: a jornada dos crustáceos na história e na nossa mesa

Redação spriomais • 15/04/2025, às 8:46

Do Paleolítico ao prato: a jornada dos crustáceos na história e na nossa mesa
Arroz cremoso com siri (Créditos: Arquivo pessoal)

Depois de alguns mergulhos, pegando jacarés nas ondas, uma rodada de frescobol e aquele futebol de areia onde ninguém quer ser o goleiro, a fome bateu forte. Meu estômago já estava roncando mais alto que o mar.

Sentamos para almoçar, aquela turma que se conheceu ali mesmo, entre um jogo, uma onda ou uma disputa acirrada pela última cadeira na sombra.

Petisco vai, petisco vem, tudo compartilhado, até que, de repente, surge no meu prato um bicho estranho. Inteiro. Olhos esbugalhados. Com um mini-porrete do lado para quebrá-lo.

Um caranguejo!

A galera caiu na gargalhada. Minha cara deve ter sido impagável, porque as piadas vieram como um tsunami. Zoação daquelas que lembram a infância, quando ninguém perde a chance de tirar sarro. Felizmente, alguém teve pena da minha ignorância gastronômica e me ensinou o ritual.

Ainda desconfiado, olhei ao redor e vi outros devorando a iguaria com entusiasmo. Depois do choque inicial, a primeira mordida revelou um sabor intenso e delicioso.

Foi então que começou a competição: quem conseguia tirar a carne inteira da pata sem precisar da marreta? O vencedor ganhava a pata do outro. Nascia ali o “caranguejo toc-toc”, nome inspirado no som das marteladas.

E então veio a pergunta inevitável: quem foi o primeiro maluco a comer isso? E como descobriram que precisava cozinhar?

A resposta não é tão misteriosa. No Paleolítico, nossos ancestrais provavelmente começaram a comer caranguejos e siris crus, quebrando as carapaças com pedras e observando outros animais.

Com o domínio do fogo, no final desse período, passaram a cozinhá-los em pedras aquecidas, facilitando a retirada da carne. No Neolítico, o avanço da cerâmica permitiu ferver água, tornando o preparo mais eficiente e aprimorando o sabor.

Os sambaquis são a prova arqueológica desse passado. Esses montes de conchas, ossos e carapaças, formados há cerca de 10 mil anos, mostram que os povos antigos já faziam verdadeiros banquetes de frutos do mar.

Além de servirem como depósitos de resíduos alimentares, muitos sambaquis eram também locais de sepultamento, indicando uma relação entre alimentação e rituais.

Diferente das sociedades agrícolas que surgiam pelo mundo nesse mesmo período, os construtores dos sambaquis eram pescadores-coletores-caçadores, vivendo em comunidades à beira-mar e explorando recursos como peixes, moluscos e mamíferos marinhos.

Na Antiguidade, caranguejos e siris já faziam parte da dieta humana. No Egito, pinturas em tumbas retratam pescadores capturando esses crustáceos no Nilo.

Na Grécia e em Roma, eram considerados iguarias e frequentemente servidos em banquetes. Na China, o caranguejo peludo e variedades de siris já eram apreciados há mais de 2 mil anos, sendo incorporados à culinária tradicional.

Durante a Idade Média e os Tempos Modernos, o consumo de siris e caranguejos continuou forte, especialmente entre comunidades costeiras e monges na Europa, que seguiam regras alimentares restritivas e consumiam frutos do mar como alternativa à carne vermelha, principalmente em períodos de jejum religioso.

No Brasil, os indígenas já coletavam esses crustáceos muito antes da chegada dos portugueses, consumindo-os crus ou cozidos em brasas. Com a colonização, a tradição foi reforçada pela influência africana e europeia, resultando em pratos icônicos da culinária nacional.

Com a expansão marítima entre os séculos XV e XIX, a pesca e o comércio de crustáceos cresceram.

Curiosamente, em algumas regiões da Europa, esses alimentos eram considerados comida de classe baixa — nos EUA, por exemplo, a lagosta chegou a ser servida a prisioneiros no século XIX.

Com o tempo, técnicas como salga e defumação facilitaram a conservação e distribuição desses frutos do mar, tornando-os mais acessíveis.

Nos séculos XIX e XX, o consumo de caranguejos e siris se consolidou ainda mais, especialmente com a modernização das técnicas de pesca e a popularização dos frutos do mar em restaurantes e mercados.

Leia mais: Meu novo hobby: descobrir a arte e o sabor por trás da coleção de Pratos da Boa Lembrança

Nos Estados Unidos, os crab shacks começaram a surgir, tornando a degustação de caranguejo uma tradição cultural.

No Brasil, os pratos típicos à base desses crustáceos ganharam ainda mais espaço na culinária regional, como o caranguejo ao coco no Nordeste e a casquinha de siri, amplamente apreciada pelo país.

A industrialização também permitiu a comercialização de carne de siri enlatada e congelada, ampliando seu consumo globalmente.

Hoje, o consumo global de caranguejos e siris continua forte, embora enfrente desafios ambientais devido à pesca excessiva.

Ainda assim, esses crustáceos seguem como protagonistas em diversas culturas gastronômicas, aparecendo em pratos emblemáticos como a casquinha de siri no Brasil, os crab cakes nos Estados Unidos e as sofisticadas preparações de frutos do mar no Sudeste Asiático.

O que começou como uma descoberta pré-histórica virou um clássico mundial — e, para mim, uma experiência inesquecível na praia, que se revigora a cada prato feito a base desses.

E foi dia do siri ir para a panela, numa receita simples, saborosa. Arroz cremoso com siri. Um daqueles pratos leves, que vai bem no calor mas, servido numa panela de barro com molho fumegante é ótimo também no inverno.

Receita:

  1. Tempere o siri com sal, pimenta-do-reino e limão. Deixe marinar.
  2. Prepare o molho como se fosse uma moqueca: azeite, alho, cebola, pimentões, tomates bem refogados. Acrescente leite de coco, colorau, talos de coentro, pimenta de cheiro, pimenta dedo-de-moça e um pouco de limão. Depois de bem apurado, bata no liquidificador.
  3. Em outra panela, aqueça azeite de dendê, refogue alho, cebola, pimentões em cubos e o siri.
  4. Acrescente um pouco de vinho e, após evaporar, adicione leite de coco e coentro.
  5. Misture o arroz já pronto com o siri e o caldo (molho). Ajuste o sal, pimenta e finalize com coentro ou salsinha.
  6. Sirva bem quente direto da panela de barro ou espere esfriar para formar um pequeno bolo.



* A opinião dos nossos colunistas não reflete necessariamente a visão do portal spriomais.

Dr. Sidney Sredni é neurologista, mas também tem outra paixão: a cozinha! Desde 1984, ele vem aperfeiçoando suas habilidades culinárias e técnicas em cursos, leituras e viagens. Essa jornada, que começou por necessidade, logo virou um hobby sério e parte fundamental de sua terapia pessoal.



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