“Emocionar para transformar”. Esse é o lema que tem guiado a vida de Claudia Paranhos, multiartista e educadora em São José dos Campos, nos últimos anos. A frase ouviu de um amigo e não esqueceu mais. Parece fazer sentido para quem “triplicou” a vontade de fazer acontecer desde que passou da metade da vida.
“Se a gente vai ver, pensando pela estatística, era hora de estar mais tranquila, pensando na minha aposentadoria. Eu tenho muitas amigas que no momento estão assim, mas é outra história”.
Formada em Arquitetura, ela estudou Psicopedagogia, fundou um renomado atelier e ajudou a criar uma escola com método fora do convencional. Também já desenvolveu projeto e curadoria de grandes exposições que se alongaram por anos. Dá para adicionar à lista que é especialista em encadernação e restauro de obras.
Claudia é como o vento, é mais fácil sentir do que tentar definir. Ela vem de uma família de artesãos de Taubaté. “Minha vó era costureira. Meu avô, daqueles sapateiros tradicionais que faziam o sapato da cor do vestido”.
Passou, porém, a maior parte de sua vida em São José dos Campos, onde mora hoje e desenvolve projeto atrás de projeto. Se dedica ao que acredita, enxerga seus propósitos na arte, educação e na natureza.
Claudia faz um monte de coisas, sempre fora do escritório. Nunca viveu a jornada profissional engessada de segunda à sexta das 8h às 17h, por exemplo. Gosta da liberdade de tempo e de imaginação, assim nunca enxergou no trabalho um sacrifício. Foi uma escolha que fez especialmente desde que soube do primeiro filho a caminho. Hoje são três, já crescidos e criados por uma mãe que priorizou a presença na vida deles.
Grande parte de sua atenção atualmente é dedicada ao Centro Ambiental Eduardo Bonetti (Caeb), em São José, onde é diretora educacional.
O complexo de mais de 40 mil metros quadrados desenvolve projetos de educação voltados à cultura e ao conhecimento socioambiental e artístico para crianças, jovens e adultos.
O Caeb é um ambiente admirável. Você pode fazer trilhas ecológicas, aprender sobre PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais), assistir a concertos de música erudita e conferir exposições fotográficas. A programação é diversa e enriquecedora.
“Fiquei muito feliz quando fui convidada para fazer parte da equipe. Eu primeiro passei um período entendendo o que é o instituto e como podemos trabalhar. A minha meta é fazer esse espaço se movimentar dentro da educação. Tem projetos novos e bem legais vindo aí. Acredito muito no trabalho coletivo”, disse Claudia.
Claudia entendeu seu propósito na educação bem jovem. No fim dos anos 1980, trancou a faculdade de Arquitetura para um intercâmbio em Berna, capital da Suíça, localizada na parte alemã do país. Foi morar na casa de uma família ligada à antroposofia, filosofia de vida “encantadora”, em suas palavras.
Criada pelo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), a antroposofia busca entender o ser humano e sua relação com o universo a partir dos pensamentos científico, artístico e espiritual em unidade. Um movimento que propõe recriar o conhecimento científico de mãos dadas com a arte e a espiritualidade.
Em Berna, Claudia aproveitava as folgas que tinha dos trabalhos com a família para estudar e participar de atividades em escolas locais. Quando o intercâmbio acabou, estava decidida a bater e voltar o mais rápido possível, ainda que tivesse sido convencida pela mãe a terminar o curso de Arquitetura.
Voltou para a Europa, já arquiteta formada, a convite de uma tia. Viajou para a Alemanha e passou um período mergulhada numa comunidade, também com conceitos antroposóficos, que trabalhava com pessoas com deficiência dentro da Floresta Negra.
Os aprendizados fora do Brasil mais o período de formação em Psicopedagogia no fim dos anos 1990 amadureceram com o tempo. Em 2014, Claudia era uma artista consolidada e jamais havia deixado a educação, mas quis vivê-la integralmente. Ela encabeçou um projeto ousado de quatro famílias por uma educação que fugisse do convencional.
“Foi um processo incrível em que questionamos a educação e acabamos montando essa escola, que foi legalizada. Era muito diferente de qualquer outra iniciativa que a gente conheça por aqui”, contou.
Chamava-se Espiral Escola Viva. O último estágio do colégio foi construído em uma casa na avenida Barão do Rio Branco, no Jardim Esplanada. Até 2021, quando encerrou as atividades, chegou a ter 34 alunos simultaneamente. O projeto era caro de se manter e veio ao fim depois que a pandemia zerou o dinheiro em caixa.
Os professores eram os pais, não haviam funcionários contratados sequer para a segurança, limpeza ou secretaria, a escola não tinha donos. As chaves das portas eram entregues à todos que ao projeto se dedicavam. Era um organismo vivo alimentado por propósito. Claudia chama de “educação participativa”. Contou que o projeto atraiu gente também de fora da cidade.
“Era uma escola pequena. Quem chegava até nós é porque já estava nesse caminho [de procurar outras formas de ensino]. Várias famílias mudaram para São José por conta da escola”, disse.
As classes eram para alunos do Ensino Fundamental 1 e 2, mas não eram divididas por faixa etária e as salas não tinham cadeiras enfileiradas. “As pessoas se encantam com uma forma diferente, mas muitas vezes não estão preparadas para se transformar”, refletiu.
A rotina do colégio era vivida em família, pais e filhos juntos, Claudia e os seus inclusos nessa. “Era um projeto que se você não se abrir, não consegue acompanhar. Estamos falando de mudança de paradigma”.
A primeira vez que Claudia teve contato com a arte fora de casa foi aos nove anos. Fez aulas de artesanato numa antiga loja de materiais em Taubaté que hoje só existe na lembrança. “De lá pra cá eu fiz tudo que caiu na minha frente. Pintura, tudo. Mas sem a intenção de nada. Eu nunca quis trabalhar com artesanato”.
Ela diz que “era a necessidade de fazer algo com as mãos”. Conta que há pouco tempo, no processo de encadernação de um livro, “Conspiratio”, a ficha caiu.
A produção, um periódico, aborda em seu conteúdo os estudos de pesquisadores sobre o pensador austríaco Ivan Illich (1906-2002), personagem importante da contracultura. “Eles falam da importância que tem a ferramenta manual para sobreviver”.
A artista não se vê criando, seja lá o que for, sem fazer um exercício com as mãos. É a sinapse da sinapse. “Para eu desenvolver um pensamento, eu preciso fazer alguma coisa, ter alguma coisa em mãos. Então, se eu não estou encadernando, eu tô fazendo tricô, bordando, fazendo impressão. Preciso ter uma coisa prática, uma produção, em mãos”, explica.
O trabalho de encadernação é completamente artesanal. Já são mais de 20 anos nessa, com clientes de várias regiões do Brasil, muitos deles fotógrafos e agências.
A produção acontece desde 1998 no De Etser Atelier, fundado junto de outros dois artistas da região, Fabio Sapede e George Gutlich, seu ex-marido e também filho do pintor holandês Johann Gütlich (1920-2000). Hoje na Vargem Grande de São José dos Campos, o atelier é uma referência nacional em gravuras e recebe artistas para residência.
Por um período, as encomendas foram tantas que as horas de movimentos repetitivos se somaram em uma lesão. “Me travou”. Claudia teve de contratar gente para ajudar a encadernar.
“Esse tipo de trabalho não combina com quantidade, eu não tinha essa proximidade com objeto”. O reforço na equipe não durou muito. Preferia um volume menor, mas com a certeza sobre a qualidade do que entregava. “Essa parte criativa não dá pra delegar. Na minha cabeça não fazia sentido, então fui diminuindo a atividade”.
Desde 2019, Claudia se tornou orientadora das Oficinas de Encadernação da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR).
Duas exposições marcam a carreira artística de Claudia. Produzidas pelo De Etser, elas surgiram com a mesma intenção, levar a arte para fora da bolha dos artistas.
Não queria interpretações ou análises sobre as obras, procurava sentimentos puros e isentos de bagagem acadêmica. Alegria, inconformidade, saudade, indiferença, curiosidade.
“Como eu levo a arte para lugares que não são comuns? E aí surgiram esses dois grandes projetos que duraram quase dez anos cada um. O ‘Olhar e Arte’, na Escola Monteiro Lobato, e ‘Arte e Vida’, no IOV, o Institituto de Oncologia do Vale”.
A exposição no colégio reuniu obras de artistas da região pelos corredores e espaços de convivência de alunos e professores. Os artistas gravaram vídeos, exibidos na escola, e também foram até lá carregando suas obras para conversar com os estudantes.
Por conta do sucesso na Monteiro Lobato, o Instituto de Oncologia do Vale fez um convite para transformar a clínica em São José em uma galeria de arte. “O objetivo era levar a arte para quem precisa e desmistificar um pouco o aquele ambiente pesado. A rotina monótona, muita dor”. O projeto ficou ativo por cerca de nove anos e também se estendeu para o centro especializado de Taubaté.
“A gente colocava obras em todos os lugares. Consultórios, salas de quimioterapia, halls, escadas, a gente enchia tudo. Veio só gente boa, artistas do Masp. Eram vários artistas por ano expondo, as obras eram trocadas a cada dois meses”, lembra.
A arte em São José dos Campos vive um momento interessante e que deveria, e pode, ganhar maiores proporções.
Pela Fundação Cultural, o município alimenta especialmente a necessidade da população por eventos. A programação de shows, apresentações e feiras é extensa e tem bastante variedade. Isso sem falar no Museu Municipal recém reformado e que voltou a ser casa ativa da cultura na cidade.
Artistas independentes também têm feito barulho em palcos às vezes menores, mas pedem espaço. O teatro de rua ainda é vivo, o cinema de rua encorpado e o que não falta é gente produzindo formatos bacanas pela cidade. Mas isso falando de tudo o que já foi desenvolvido, do que é consolidado ou pelo menos está quase lá.
Mas e a construção? E a renovação? Cláudia diz que seu maior desejo hoje é um lugar para formação dos artistas em São José. Uma ideia que ela debate junto a artistas e articuladores há quase 30 anos.
“Eu sinto muita falta de um lugar em que você possa ter uma produção. Uma escola livre para você experimentar. Meu sonho é ter um lugar com ateliers diversos, orientadores top e que a pessoa entra lá podendo utilizar o suporte que ela precisa para desenvolver as ideias dela e passando pelas oficinas. Então ela faz uma formação”, disse empolgada.
“Nós começamos a falar disso em 1996 com os professores e orientadores de oficinas da Fundação Cultural. Eram profissionais incríveis que vinham para cá. A gente se reunia semanalmente na minha casa e as conversas eram muitas. Em vários momentos surgia a necessidade de ter esse lugar, completou.
Esta matéria faz parte da série especial “Made in Sanja”, produzida pelo portal spriomais, que celebra a população de São José dos Campos e traz histórias de pessoas que impactaram seu entorno e se destacaram Brasil afora.
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