
Estreou o novo reality gastronômico da Rede Globo: “Chef de Alto Nível”. Apresentado pela incansável Ana Maria Braga — que, entre papagaios falantes e receitas mil, há décadas tempera as manhãs da emissora — o programa chega com pompa e circunstância.
Para completar a receita de sucesso, temos um elenco de jurados estreladíssimo: Alex Atala, o chef que colocou o Brasil no mapa da alta gastronomia; Jefferson Rueda, embaixador do porco e dono da badalada Casa do Porco (destaque em rankings mundo afora); e Renata Vanzetto, autodidata, multipremiada e empresária versátil. Ou seja, um trio de respeito. Tudo muito bonito até aí.
A estrutura também impressiona: uma torre de 17 metros de altura e 1.500 m² nos Estúdios Globo, com três cozinhas empilhadas em níveis de complexidade. Os 24 participantes estão divididos em três grupos: profissionais, amadores e influenciadores digitais — oito em cada categoria, cada um com sua bagagem, seu drama pessoal e sua disposição para encarar desafios gastronômicos em ambiente controladamente caótico.
Assisti ao episódio de estreia com certa curiosidade — e, admito, uma pitada de esperança. A primeira cozinha, o famigerado “porão gourmet”, me trouxe de volta aos tempos de república universitária: eletrodomésticos cansados, utensílios meio tortos e aquela frigideira que gruda até água.
A segunda cozinha tem jeitão de lar, de quem assiste canal de culinária e tenta repetir a receita. E a terceira… a terceira parece ter saído de um showroom europeu, com tudo reluzente, moderno e possivelmente mais caro que meu carro.
A estrutura é, de fato, de alto nível. Mas aí veio a primeira prova — e, junto dela, o balde de água fria. Nada contra os participantes, especialmente os amadores. Só de estarem ali, já merecem medalha.
Eu mesmo já me atrapalho todo quando cozinho na casa de um amigo que tem fogão por indução e panelas que parecem saídas de um filme de ficção científica. Imagina competir sob pressão num estúdio desconhecido, com câmeras e cronômetros cravados na sua alma?
E então… o momento “corrida maluca” dos ingredientes. Trinta segundos para escolher produtos na despensa, brigando com outros competidores por um limão ou uma cebola. Parecia cena de liquidação nos Estados Unidos, versão “Food Fight”.
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Admiro a criatividade de quem consegue transformar isso em algo comestível. Mas técnica? Cadê? Porque nos cursos que já fiz, planejar o prato e montar uma lista coerente de compras eram etapas essenciais. No mundo real, ninguém inventa o cardápio enquanto disputa uma abobrinha com o concorrente.
Na segunda fase, o tema era “fazer limonada com o limão da vida”. Mas nem a cozinha mais equipada ajudou a elevar o nível dos pratos. E o terceiro andar — o topo da torre e do glamour — também não mostrou nada muito diferente em sabor ou execução. A panela pode ter custado uma fortuna, mas não cozinha sozinha, né?
Estou particularmente curioso para assistir aos episódios com os influenciadores digitais. Vai ser divertido ver se eles cozinham mesmo ou se montam o tripé para fazer stories com filtro. Porque, convenhamos, no Instagram tudo é lindo: corta aqui, acelera ali, põe uma musiquinha e pronto — o prato parece ter saído direto do Olimpo da gastronomia. Já na vida real…
E no grupo dos chefs profissionais, a expectativa é entender qual será o nível de cobrança dos jurados. Será que vão pesar a mão ou aliviar por camaradagem? Vamos ver se o título de “chef” vem com blindagem especial ou se o molho vai talhar igual.
O fato é que, como em quase todos os realities gastronômicos, o que menos aparece é… gastronomia. Técnica, conhecimento de ingredientes, processos de preparo — tudo isso fica em segundo plano. O que impera é o drama, o suspense, a música de tensão e a lágrima no canto do olho.
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E aí eu me pergunto: será que esse tipo de formato aproxima as pessoas da cozinha ou só reforça a ideia de que cozinhar é uma experiência traumática com plateia?
Muita gente me pergunta por que não assisto ao MasterChef ou seus primos globais. E eu sempre respondo: porque, no fim das contas, a receita não é mostrada, a técnica mal aparece, e tudo vira um jogo de torcida. A gente torce como se fosse final de Copa, baseado no carisma, no sotaque ou na cara de coitado do participante.
Mas vamos acompanhar. Quem sabe o programa se encontre no meio do caminho, ajuste o tempero e sirva algo mais nutritivo do que apenas entretenimento apimentado. Se não, seguimos com nossos temperos caseiros, onde o tempo de preparo é mais longo, mas o sabor — esse sim — é real.