Com a publicação do Decreto nº 12.456, de 19 de maio de 2025, o governo federal redesenha as diretrizes para a educação a distância (EaD) no Brasil.
O texto, que visa fortalecer padrões de qualidade no ensino superior remoto, traz mudanças significativas e, com elas, uma avalanche de repercussões práticas, especialmente para os estudantes, polos de apoio presencial e instituições de pequeno porte (IES).
Sob o manto da qualidade, a nova regulação estabelece um aumento nos percentuais mínimos de carga horária presencial e uma nova modalidade, híbrida, para cursos ofertados a distância. Parece pouco, mas, para muitos, é o bastante para virar o jogo contra eles.
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Estudantes: o acesso que pode deixar de existir
Grande parte dos estudantes da modalidade EaD são adultos trabalhadores, mães solos, pessoas em áreas remotas ou com pouca mobilidade.
Para esses públicos, a flexibilidade sempre foi o maior trunfo da EaD. No entanto, a obrigatoriedade de atividades presenciais, muitas vezes em polos distantes ou de difícil acesso, pode significar o fim da possibilidade de cursar o ensino superior.
Além disso, o custo indireto dessas atividades como transporte, alimentação, tempo ausente do trabalho ou da família recai sobre quem mais depende da acessibilidade do modelo remoto. O que era inclusão, agora se transforma em obstáculo.
Polos EaD: responsabilidade total institucional
Os polos EaD, passam a ter papel central na nova configuração. Precisam dispor de infraestrutura robusta, espaços físicos apropriados, conexão de alta velocidade, laboratórios, tutores capacitados, coordenação local e identidade institucional clara.
Na prática, o que isso representa? Investimentos altos. Para polos em municípios pequenos ou de menor poder aquisitivo, a conta pode não fechar. Muitos devem encerrar atividades, o que significará menos opções para os estudantes ou nenhuma, em alguns lugares do interior.
IES pequenas: um jogo desigual
As pequenas instituições de ensino superior, que muitas vezes atendem regiões carentes e afastadas dos grandes centros, enfrentam um cenário de incerteza. Com exigências rigorosas sobre infraestrutura, corpo docente, mediação pedagógica, avaliações presenciais, e credenciamento, o custo de operação sobe vertiginosamente.
Essas pequenas instituições ou pequenos polos, sem o fôlego financeiro das grandes redes, correm o risco de não conseguir se adequar no prazo de dois anos previsto pelo Decreto. O resultado pode ser devastador: fechamento de cursos, evasão estudantil e até o encerramento definitivo de instituições.
Uma crítica contundente: “nota zero”, diz especialista
Para João Vianney, sócio-consultor da Hoper Educação e líder do manifesto e abaixo-assinado “Em Defesa da EAD”, que já conta com mais de 14 mil assinaturas, a nova política representa um retrocesso histórico:
“Analisar o Decreto da EAD numa perspectiva histórica dá a sensação de que o Brasil voltou no tempo. Saímos da Era Digital e fomos atirados pelo MEC nas trevas de uma Idade Média.
O mundo e as melhores escolas do Brasil adotam o uso de Learning Analytics para a personalização do ensino, com estratégias de atendimento das necessidades individuais de aprendizagem de cada estudante.
O MEC retrocede para um conceito preponderante de mediação coletiva envolvendo docentes e alunos em situação de co-presença. Conceitos pedagógicos do interacionismo que têm efetividade na educação infantil, alfabetização e séries iniciais.
Sem nenhum amparo científico, o MEC extrapola para a Educação de Adultos nos cursos de graduação por EAD a obrigatoriedade de métodos sociointeracionistas em detrimento da fronteira mundial de aprendizagem nos métodos de personalização do ensino.
O MEC faz a roda girar ao contrário. Abandona Inteligência Artificial. Abandona os Ambientes Virtuais de Aprendizagem com suporte de Learning Analytics.
O MEC abandona os sistemas de metrificação na avaliação que permitem dosar a cada aluno as suas necessidades, e volta dois séculos para a sala de aula convencional como se primazia ela tivesse.
Ao obrigar desde um mínimo de 20% de presencialidade nos cursos EAD, e chegando a pelo menos 50% de presença obrigatória nos cursos semipresenciais, o MEC entra de ré no Túnel do Tempo e arrasta o Brasil inteiro junto para uma dialética do escurecimento.
A nota para o novo marco regulatório da EAD é zero. Nota zero.”
Uma transição que exige diálogo
O objetivo de melhorar a qualidade da educação a distância é legítimo. No entanto, os impactos dessa mudança sobre a vida de milhares de estudantes, trabalhadores e comunidades locais exigem cautela, apoio técnico e financiamento público para adaptação.
Sem isso, a nova resolução corre o risco de aprofundar desigualdades em vez de corrigi-las. O que se apresenta como avanço pedagógico pode, na prática, se converter em retrocesso social.
A pergunta que fica é: a quem essa nova EaD realmente servirá?
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