
Hoje foi um daqueles dias em que o universo conspirou para escrevermos sobre o umami. Assistindo às aulas dos cursos de Gastronomia, deparei-me com uma aula sobre esse assunto.
Em seguida, meu filho disse que não iria mais ao compromisso que tinha e que a namorada viria almoçar conosco — e foi logo sugerindo: “Faça algo com o funghi porcini”. Contei a novidade para minha esposa, que também sugeriu cogumelos paris recheados, que há algum tempo não preparo.
Mas, afinal, o que é umami? Quais alimentos têm esse sabor?
O sabor umami: da descoberta científica aos alimentos que o celebram
A descoberta do quinto gosto
Em 1908, o químico japonês Kikunae Ikeda revolucionou o estudo da alimentação ao isolar o ácido glutâmico da alga kombu.
Ao perceber que esse composto conferia um sabor único — distinto do doce, salgado, azedo e amargo — Ikeda nomeou essa nova percepção como umami, palavra derivada do japonês “umai” (“delicioso”).

Logo no ano seguinte, Ikeda patenteou a produção industrial do glutamato monossódico (MSG), dando origem à empresa Ajinomoto. Essa inovação permitiu que o umami transcendesse as fronteiras japonesas, embora o reconhecimento científico mundial levasse décadas para se consolidar.
A controvérsia do glutamato
No final da década de 1960, o consumo de glutamato monossódico nos Estados Unidos sofreu críticas após o surgimento da chamada “síndrome do restaurante chinês”. Relatos de sintomas como dor de cabeça e formigamento, supostamente associados ao MSG, geraram um estigma duradouro.
Estudos posteriores, no entanto, conduzidos pela FDA e pela Organização Mundial da Saúde, concluíram que o MSG é seguro para consumo em quantidades normais. Ainda assim, a polêmica retardou a aceitação do umami no Ocidente.
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A consagração científica
O reconhecimento do umami como quinto gosto básico ganhou força em 1985, durante o Primeiro Simpósio Internacional sobre Umami, realizado em Honolulu. Cientistas reunidos no evento confirmaram a existência de receptores específicos para o glutamato nas papilas gustativas.
Em 2000, a descoberta dos receptores T1R1/T1R3 por pesquisadores americanos consolidou definitivamente o umami como uma categoria independente no espectro gustativo humano. O centenário da sua descoberta, comemorado em 2008, marcou o início de uma nova era de valorização do umami na gastronomia mundial.
Os alimentos mais ricos em umami
Com o avanço dos estudos, foram identificados diversos alimentos naturalmente ricos em compostos que estimulam o sabor umami, como o glutamato livre e nucleotídeos como o inosinato e o guanilato.
Entre os campeões de umami estão:
- Alga kombu: supera 2.200 mg de glutamato por 100 g, sendo a base tradicional do caldo dashi japonês;
- Queijo parmesão curado: atinge mais de 1.200 mg por 100 g devido ao processo de maturação;
- Cogumelos secos (shiitake): combinam glutamato e guanilato, com cerca de 1.060 mg por 100 g;
- Presuntos curados (Parma e jamón ibérico); concentram entre 340 e 400 mg por 100 g;
- Molho de soja tradicional; oscila entre 400 e 1.700 mg por 100 g, conforme o método de fermentação;
- Tomate maduro e seco: varia de 140 a 250 mg por 100 g, sendo um ingrediente-chave para realçar sabores;
- Chá verde (matcha e gyokuro): apresenta entre 220 e 670 mg de glutamato em folhas secas.
Esses alimentos não apenas enriquecem o paladar, como também desempenham papel fundamental em cozinhas tradicionais de todo o mundo, da japonesa à mediterrânea.
Sabia que…
O glutamato monossódico (MSG), um dos intensificadores de umami mais comuns, é amplamente utilizado em snacks, temperos e pratos prontos ao redor do mundo.
Curiosamente, ele foi introduzido em 1909 pela Ajinomoto e, apesar de seu uso generalizado, ainda gera debates sobre seus efeitos na saúde — embora estudos científicos confirmem sua segurança. No entanto, é sempre bom lembrar: equilíbrio é a chave para uma alimentação saudável!
Um legado de sabor e ciência
O reconhecimento do umami mudou a maneira como entendemos o paladar humano e a construção de sabores na culinária.
Ao unir tradição e ciência, o umami continua a inspirar chefs e gourmets em busca de experiências gustativas mais ricas e profundas.
Hoje, ao saborear um prato bem equilibrado, repleto de profundidade e persistência de sabor, celebramos, ainda que inconscientemente, a genialidade de Kikunae Ikeda e o fascinante mundo do umami.
Na minha cozinha
Agora que já conhecemos o umami, mãos à obra. Sugiro que faça o mesmo: só degustando esses alimentos é que podemos perceber a presença desse quinto gosto. Muitos já experimentaram, mas, muitas vezes, ele passa despercebido ou, mais frequentemente, não é devidamente reconhecido.
Uma curiosidade interessante sobre o umami é que, embora seu sabor seja delicioso, ele tem a capacidade de gerar uma sensação de saciedade mesmo em pequenas quantidades. Esse efeito ocorre devido à maneira como o umami ativa os receptores de sabor e influencia nossa percepção de plenitude.
Não saíram os cogumelos recheados. Troquei por bruschettas feitas com cogumelos paris refogados com cebola, tomates e queijo parmesão. Usei um sal com umami — sal com funghi porcini — acentuando ainda mais o sabor.
Receita para a pasta
Abaixo, a receita clássica. Na versão aqui de casa, troquei o caldo de legumes por caldo de carne — feito com ossobuco.
Também dispensamos o creme de leite pelo excesso de calorias. Nunca considero o vinho opcional. Para mim, é obrigatório.
Ingredientes
Para o molho de porcini:
- 30 g de cogumelos porcini secos
- 2 colheres de sopa de azeite de oliva
- 2 dentes de alho picados
- 1/2 cebola picada
- 150 ml de creme de leite fresco
- 100 ml de caldo de legumes ou água (se necessário, para hidratar os cogumelos)
- 1/4 de xícara de vinho branco seco (opcional)
- Sal e pimenta-do-reino a gosto
- Um punhado de salsinha picada (opcional, para decorar)
Para a pasta:
- 250 g de massa de sua escolha (fettuccine, tagliatelle ou pappardelle funcionam bem)
- Sal para a água do cozimento
Instruções
Hidrate os cogumelos porcini:
- Coloque os cogumelos secos em uma tigela com 200 ml de água morna e deixe-os hidratar por cerca de 20 a 30 minutos.
- Depois de hidratados, escorra bem os cogumelos (reserve o líquido para adicionar ao molho, se necessário) e pique-os grosseiramente.
Prepare o molho de porcini:
- Em uma panela média, aqueça o azeite de oliva em fogo médio.
- Adicione o alho picado e a cebola e refogue até ficarem macios e dourados.
- Acrescente os cogumelos picados e refogue por 5 a 7 minutos, até que comecem a soltar seu aroma.
- Se estiver usando vinho branco, adicione-o agora e deixe evaporar o álcool, cozinhando por mais 2 minutos.
- Adicione o creme de leite e, se necessário, um pouco do líquido reservado da hidratação dos cogumelos para ajustar a consistência.
- Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Cozinhe em fogo baixo por cerca de 5 a 10 minutos, até o molho engrossar um pouco.
Cozinhe a massa:
- Enquanto o molho está cozinhando, leve uma panela grande de água salgada para ferver.
- Cozinhe a massa de acordo com as instruções da embalagem (geralmente por 8 a 10 minutos para uma textura al dente).
- Reserve uma xícara da água do cozimento antes de escorrer.
Monte o prato:
- Misture a pasta com o molho de porcini, adicionando um pouco da água do cozimento se necessário, para integrar o molho.
- Sirva imediatamente, decorando com salsinha picada, se desejar.
Dica
Se quiser intensificar ainda mais o sabor dos cogumelos, adicione um pouco de queijo parmesão ralado por cima antes de servir. Bom apetite!
E mais: se quiser se aventurar e conhecer ainda mais sobre o quinto sabor, acesse o site do Comitê Umami.