Fiquei muito impressionado na semana passada com uma montagem fotográfica que vi no Instagram: lado a lado, imagens urbanas praticamente irreconhecíveis, cenas esfumaçadas, com aquele vermelhidão que se faz sufocante só de ver, estando nesse caso há muitos quilômetros de distância.
(Eu poderia ver um pouco dessa mesma poluição antropocênica ao abrir a minha janela e sucumbir diante de um pôr do sol meio esquisito, embaçado, no Banhado).
Tínhamos ali um flagrante do dia em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, ao lado de um frame do filme Apocalipse Now. A imagem de Ribeirão Preto era muito mais aterradora do que a do filme estarrecedor de Copolla, que tanto impactou o público em 1979, já com uma antevisão da debacle que o homem sabe bem produzir, filme que expõe muitas das fragilidades humanas.
Cenas apocalípticas ainda mais completas têm sido vistas acompanhando reportagens sobre os incêndios: um mapa do Brasil atualizado na sua agonia, perfurado com pontos de fogo, como se seu corpo tivesse sendo atingido por tiros à queima roupa, a cada minuto. E estão. Há incendiários à solta e o corpo grita por socorro, estirado no chão. E, impotência, não podemos levantá-lo sozinhos.
A secura do clima, impressa no rãrã de cada garganta, deveria ser entendida e discutida como coro de uma tragédia global. Não se trata mais (ou nunca se tratou) de um problema pessoal: ponho uma máscara e está resolvido; me fecho na minha sala climatizada e bye, bye; sento no meu lindo BYD, todo elétrico, e adeus, cumpro minha parte nesse nefasto mundo de camadas de ozônio temperamentais. Já não há espaço para solipsismos dessa natureza, se é que queremos realmente sobreviver. (Ou alguém aí já reservou um lugar para Marte no Bonde do Muskão?)
Em recente artigo no portal UOL, o climatologista Carlos Nobre, que foi pesquisador do INPE, em São José dos Campos, membro ativo do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e conhece como ninguém a realidade da Amazônia, contextualizou a situação à luz da ciência. As perspectivas são de chorar. Ele diz literalmente que o “mundo pode não ter mais volta”. E diz que isso o “apavora”. Se apavora o Carlos Nobre… As mudanças climáticas estão acontecendo mais rapidamente do que previram os estudiosos. Muito mais. Estão batendo às nossas portas, empesteando de fuligem nossas alvas cortinas, matando os mais frágeis, aqueles com doenças respiratórias crônicas, secando rios, logo, logo comprometendo o ambiente hidráulico do país.
Um de meus vizinhos negacionistas ainda é capaz de dizer: a terra sempre foi assim, ora esquenta, ora esfria. Quero saber como se movimenta essa gangorra hoje. E quanto tempo esse estado de coisas ficará em uma das posições.
O poeta Marcelo Tápia, que dirige a Casa das Rosas, em São Paulo, em longo poema divulgado neste fim de semana pelas redes sociais, trata o fogo de maneira épica e trágica: “(…se podes, por si, assolar,/ sem trégua e limite o que há/ser meio para o fim do mundo, /rude usurpador do futuro (…). E o futuro é hoje. Os poetas são mesmo antenas da raça. É preciso ouvi-los ainda mais em tempos de urgência.
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