Dia 20/12 como num passe de mágica, o Brasil desacelera. Somente serviços essenciais continuam a operar- hospitais, bombeiros, policiais, manutenção das fábricas – deixo minha homenagem a esses trabalhadores e de outros que porventura não tenha mencionado. Para a grande maioria é hora de pegar as malas e se reunir com a família. Sitio, casa dos avós, salão de festas ou mesmo na praia ou na montanha. Entre os churrascos – esses nunca saem de cena – bolos, bolinhos, petiscos e eventuais pratos mais elaborados, chega, para a maioria da população cristã, um momento especial do ano: o Natal. Além do tradicional panetone, outra estrela ganha destaque nessa época e se torna um dos símbolos indispensáveis da festa: o peru!

A ceia de Natal: um banquete com história
A ceia natalina, como a conhecemos hoje, é o resultado de séculos de transformações culturais, religiosas e econômicas. Suas características variaram ao longo do tempo conforme as tradições locais, ingredientes disponíveis e influências externas moldaram esse momento de celebração.
Antes do cristianismo, festivais pagãos, como a Saturnália romana, celebravam o solstício de inverno (21 ou 22 de dezembro no hemisfério norte) com banquetes e trocas de presentes, comida era farta que incluía carne, pães, frutas secas e vinho e o Sol INvictus (culto ao “Sol Invencivel”). Entre os povos germânicos, o Yule era um festival de inverno que incluía fogueiras, banquetes e símbolos como o tronco de Yule, que se transformou na tradição do “pinheiro de Natal”.
No século IV, no reinado de Constantino, a Igreja Romana determinou a data de 25/12 como o nascimento de Jesus possivelmente para substituir as festividades pagãs referidas anteriormente. Essa estratégia buscava facilitar a aceitação do cristianismo entre os romanos.
À medida que o cristianismo se expandiu, o Natal incorporou a ideia de um banquete para simbolizar a comunhão e a generosidade. Na Europa medieval, nobres promoviam grandes banquetes com carnes como javali, cisnes, gansos e pavões com pratos decorados para impressionar os convidados.
A jornada do peru
O peru (nome científico: Meleagris gallopavo) é uma ave originária da América do Norte, mais especificamente na região que hoje corresponde ao México e ao sul dos Estados Unidos. Domesticado pelos povos indígenas (principalmente astecas) há mais de 2.000 anos, que o chamavam de “huexolotl” e utilizavam como fonte de carne, penas e durante rituais religiosos.
No século XVI, os colonizadores espanhóis levaram o peru para a Europa onde rapidamente conquistou as cortes, tanto pela abundância de carne quanto pela facilidade de criação, superando os gansos e cisnes como prato principal. Há registros, que o rei Henrique VIII (1509-1547) na Inglaterra foi um dos primeiros a adotar o peru como prato principal na ceia de Natal, e a tradição se espalhou.
Os colonos europeus na América do Norte, no século XVII, tornaram o peru o protagonista no Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, que influenciou sua popularidade na ceia de Natal.
Nos séculos XVIII e XIX no Reino Unido, o Natal foi amplamente influenciado pelo período vitoriano. A rainha Vitória e Charles Dickens, com seu conto “Um Conto de Natal”, popularizaram tradições como o peru assado, pudins e biscoitos natalinos.
No Brasil, o peru foi introduzido pelos colonizadores portugueses. A tradição de usá-lo no Natal foi consolidada principalmente no século XX, devido à influência cultural norte-americana com suas celebrações grandiosas, ajudando a difundir elementos como peru recheado, uso de acompanhamentos como purê de batatas, entre outros, além da maior disponibilidade do produto no mercado.
Um conto familiar
O peru passou a fazer parte da minha alimentação de final de ano, principalmente com o surgimento do peru congelado e já temperado, na década de 70. O lançamento do peru temperado revolucionou o mercado alimentício brasileiro e transformou o peru no protagonista da ceia de Natal. Antes disso, seu consumo era mais restrito, devido à necessidade de preparo demorado e à dificuldade de acesso à ave fresca em muitas regiões.
Em casa, foi o que possibilitou a entrada do peru, sempre aguardado, mas só por mim. Desse modo, ficava limitado a degustá-lo em casa de amigos, ou alguma festa de fim de ano. Após a faculdade, e já envolto pela gastronomia, passei a fazê-los sempre que possível. Muitas vezes, congelado mesmo. Afinal, os plantões poderiam me chamar a qualquer instante.
Ano passado, a pedido dos brasileiros que moram na Itália que por aqui estavam, me solicitaram um peru para a ceia de Natal. A curiosidade é que queriam o congelado e já temperado, sem incrementos. Disseram que sentiam saudades. Apesar de apreciado por esses ítalo-brasileiros, recebi críticas nos brasileiros que esperavam algo a mais. Críticas e elogios fazem parte do universo de quem está atrás do fogão. O mais importante, foi um momento mágico entre familiares e amigos que ficará na memória com gosto de quero mais.
Que possam celebrar com essa mesma alegria e sabedoria. Que os momentos sejam inesquecíveis! Só não esqueçam de lavar a louça!
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