Enquanto o mundo e, particularmente, o Brasil queimam, seguimos em uma rota que parece ir contra os esforços globais para enfrentar as crises ambientais. Me parece típico da nossa cultura insistir em fragilizar legislações essenciais para a proteção dos ecossistemas, seja por interesses econômicos ou políticos. Nesse cenário caótico, o papel do cidadão brasileiro precisa mudar: de coadjuvantes passivos a protagonistas engajados na transformação que é necessária para corrigir a direção para a qual estamos caminhando.
O mais recente exemplo dessa tendência é a postura do governo brasileiro em relação à nova legislação antidesmatamento da União Europeia (UE), que entrará em vigor no final de 2024. Essa legislação proíbe a importação de commodities de áreas desmatadas após dezembro de 2020. O objetivo principal da medida é reduzir a contribuição dos países europeus ao desmatamento global, promovendo práticas de produção mais sustentáveis. Entretanto, o governo brasileiro, por meio dos ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Agricultura, Carlos Fávaro, enviou uma carta à UE pedindo a suspensão da aplicação da nova lei.

O argumento central apresentado pelo Brasil é que essa legislação prejudicaria diversos setores exportadores, incluindo a carne, soja e cacau, que são produtos de extrema relevância para a economia nacional. Os ministros alegam que a medida impõe barreiras comerciais injustificadas aos produtos brasileiros, considerando que o país já adota um dos mais rigorosos códigos florestais do mundo. O Código Florestal Brasileiro, que foi reformulado em 2012, exige que propriedades rurais na Amazônia Legal preservem 80% de suas áreas de vegetação nativa, e que 35% de áreas de campo em outros biomas também sejam protegidas. Além disso, há a exigência de que áreas de reserva legal em todo o país sejam preservadas. Com base nesses pontos, o Brasil argumenta que a nova lei europeia não só é desnecessária, como também discriminatória, pois afeta diretamente os produtos brasileiros e a competitividade do país no mercado internacional.
Contudo, a realidade é mais complexa do que a retórica política. O Brasil tem uma longa história de descumprimento de suas próprias legislações ambientais. Nos últimos anos, o desmatamento ilegal cresceu de forma alarmante, especialmente na Amazônia, muitas vezes com a anuência ou mesmo incentivo de políticas governamentais que favorecem a expansão agrícola em áreas de floresta. A falta de fiscalização adequada, aliada à impunidade para crimes ambientais, faz com que a preservação florestal, em muitos casos, seja mais uma letra morta na lei do que uma prática consolidada.
A nova legislação da UE, portanto, surge como uma tentativa de criar um sistema mais transparente e eficaz de rastreamento das commodities que chegam ao mercado europeu. A ideia é garantir que esses produtos não estejam associados ao desmatamento ilegal, uma demanda crescente de consumidores e investidores preocupados com as questões ambientais. Em vez de ver a medida como uma ameaça, o Brasil poderia encará-la como uma oportunidade de melhorar a sua governança ambiental, demonstrando ao mundo que é capaz de combinar produção agrícola de qualidade com a proteção de seus recursos naturais.
O Brasil parece estar ciente da importância de manter boas relações comerciais com a UE, um dos principais destinos de suas exportações. Para tentar evitar os impactos negativos que a nova legislação pode ter sobre o agronegócio brasileiro, o governo propôs intensificar a cooperação com os países europeus, com foco na preservação das florestas e no desenvolvimento sustentável da produção agrícola. Essa proposta de diálogo e colaboração internacional pode, em teoria, abrir caminhos para uma solução que equilibre a proteção ambiental com os interesses comerciais.
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No entanto, essa tentativa de aproximação não pode ser apenas uma cortina de fumaça. Já não há mais espaço para promessas vazias ou retórica sem substância. O mundo e o Brasil, em particular precisa de ações concretas, de resultados palpáveis e de métricas que comprovem os avanços na preservação ambiental. A realidade exige um compromisso firme, e não mais uma troca de discursos para ganhar tempo enquanto o desmatamento continua em ritmo acelerado.
Na tentativa de evitar impactos comerciais, o Brasil propõe intensificar a cooperação com a UE, focando na preservação das florestas e no desenvolvimento sustentável da produção agrícola. O governo brasileiro reafirma seu compromisso com a preservação ambiental e as metas climáticas internacionais, mas solicita diálogo para ajustar a aplicação da lei. No entanto, promessas e propostas vazias já não são mais bem-vindas sem uma métrica clara ou uma contrapartida tangível. A realidade exige ações concretas e resultados mensuráveis, especialmente considerando a campanha do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enfatizou o meio ambiente, mas que agora sofre, ou melhor, queima em suas mãos, à medida que incêndios florestais se alastram e a devastação da Amazônia e o Cerrado, dois dos principais biomas do planeta, avançam.
A situação clama por urgência e responsabilidade, já são mais de 10 milhões de pessoas afetadas pelas queimadas, o tempo para discursos sem impacto real já se esgotou.
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