Nunca é tarde para mudar os rumos da vida. Viver em um novo lugar, aprender um idioma ou até mesmo escolher uma nova profissão após muitos anos de carreira, são apenas algumas das escolhas que podemos fazer.
Na vida do peruano Antonio Mavila, 63, todas essas alternativas aconteceram ao longo das última cinco décadas. Nem tudo por escolha própria, mas que o fizeram chegar onde está neste momento: levando uma das melhores gastronomias do mundo para as pessoas.

Cansado da rotina corporativa cheia de papéis e metas a cumprir, Mavila resolveu mudar radicalmente de profissão. Depois de 35 anos de carreira, em maio de 2014 seu escritório deu lugar à cozinha, de onde ele nunca mais saiu.
Ainda em seu país de origem, o Peru, a culinária já se fazia presente em seu dia a dia. Quando menino, ficava deslumbrado ao acompanhar o avô preparando pernis, massas e arrozes.
“Sempre gostei de entrar na cozinha e ajudá-lo. Mas nem imaginava que poderia ser uma profissão. A cozinha seria somente um hobby”, relembra.
Logo na infância algumas coisas tiveram que mudar quando ele e a família vieram da capital peruana, Lima, para São José dos Campos, no começo de 1974.
Ao todo, eram nove pessoas: Antonio, a mãe Juana, os irmãos José Enrique, José Guillermo (falecidos) e Vanessa, o padrasto Sr. Gustavo Rico Toro e seus três filhos.
O recomeço deles em um novo país também marcou – mesmo que de forma indireta – a vida de muitas pessoas que moravam na cidade que logo viria a ser a capital nacional do avião.
Na época, o padrasto de Mavila era um dos engenheiros responsáveis pelo projeto e diretor técnico da construtora que edificou o Bairro Vista Verde, na zona leste, que também foi o primeiro endereço da família em solo joseense.

Tempos áureos
Assim como para qualquer imigrante, as diferenças entre os países eram muitas. E com tantas novidades, o período de adaptação teve seus percalços:
“No começo foi muito difícil lidar com estas diferenças. E foram muitas: havia a liberdade na escola, a gente podia deixar o cabelo crescer [diferente do Peru], além dos horários e uniformes”, exemplifica Mavila.
E claro, estar a quase 4.500km de distância de casa também traria novos hábitos alimentares. Por aqui, ele recorda, havia uma ajudante em casa que cozinhava arroz e feijão todos os dias:
“Era muito estranho, pois no Peru, se come feijão no máximo duas vezes por mês. Mas aos poucos fui aprendendo o idioma, os costumes, a cultura, fazendo amizades. Aí tive uma adolescência fantástica em São José!”.
Desde que a família chegou, muita coisa mudou. Poucos anos antes, São José viveu a implantação de empresas multinacionais como a General Motors e deu a luz à Embraer, em agosto de 1969; acontecimentos que marcaram o início de uma nova era industrial no município.
A família saiu do Vista Verde e passou a morar no Jardim Esplanada, onde Mavila viveu a juventude. O chef de cozinha se lembra o quanto a cidade cresceu nesses anos todos:
” Nós andávamos de skate todos os finais de semana na avenida São João, onde hoje é o Colinas. Não existia a Avenida Cassiano Ricardo, nem o Jardim Aquarius. Durante a semana, passeávamos de bicicleta pelo centro da cidade”.
Outro endereço citado por ele é a Rua Sete de Setembro, que naqueles tempos ainda “era rua”. Como parte de modernização da cidade, no fim dos anos 70, o asfalto deu lugar ao piso de basalto calcário e os carros, aos pedestres. Assim, se tornando o “Calçadão”, tradicional centro comercial na cidade.

Conforme o tempo passou, as aventuras juvenis foram ficando de lado e a rapazeada passou a frequentar o Tennis Clube, se reunir nas festas do bairro e nas discotecas. Os passeios não se resumiam aos limites de São José:
“No verão, era sagrado ir para Caraguatatuba, pelo menos aos finais de semana”, conta.
Nesse momento município vivia a efervescência dos empregos em fábricas como a Kodak, Ericsson, Johnson&Johnson, entre outras. Já adulto, Mavila conta que assim como muitas pessoas trabalharam em uma dessas empresas, ele também foi para esse caminho: se tornou economista e trabalhou em multinacionais por 35 anos.
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10 anos de vida nova
Cansado da vida exaustiva que levava, Mavila decidiu há dez anos que trocaria toda a carreira por uma profissão que lhe desse mais liberdade. Então, aos 53 anos ele resolveu transformar o passatempo culinário em seu novo ofício.
Apesar de parecer uma decisão prática, o peruano afirma que para realizar esse tipo de mudança foi necessário estar preparado nos âmbitos pessoal, financeiro e profissional.
“Me matriculei num curso de cozinha profissional. Depois fui para Espanha fazer um curso de comida espanhola, idem em Portugal”.
Mesmo se especializando em gastronomia mediterrânea, o chef sentia falta de um “tempero especial”:
“Como peruano, até tinha uma certa vergonha de não saber preparar nenhum prato”, revela. “Daí, trabalhei por três meses num restaurante em Lima e decidi me especializar nessa gastronomia, que hoje está entre as dez melhores do mundo. Quando digo que sou peruano, muitas pessoas dizem que conhecem o ceviche e Machu Picchu. Mas lá é um país com cultura milenar, com três regiões bem demarcadas que os brasileiros ainda não conhecem”.
O bolinho caipira é uma das comidas preferidas da região para o joseense de coração, seguido da galinhada e pratos com carne porco. Mas para ele os brasileiros conhecem muito pouco da vasta gastronomia peruana, que tem quase 500 opções de pratos típicos e mais de 2.500 tipos de sopas.
“A cultura peruana é muito rica porque temos uma história milenar através dos incas e são mais de 2 mil anos de cultura incaica que vem se desenvolvendo. O Peru é um país muito rico na parte de mineral, de vegetais, animais e tem muita peculiaridades”, disse Mavila em entrevista ao podcast Talk+ em novembro passado.
A fim de levar esse tipo de conhecimento para as pessoas em São José, além de preparar pratos em festas e eventos, o chef também oferece workshops em que ele ensina não só a preparar ceviches, mas também a história sobre esse e demais pratos tradicionais.
E quanto aprender novas coisas, Mavila aconselha:
“Havendo vontade para novos desafios, aceitando mudanças, sejam de empresa, carreira, cidade, é válido. Se eu tivesse o pensamento que tenho hoje com vinte e poucos, seria outra pessoa. Por isso que eu sempre afirmo que a vida começa aos cinquenta anos. Os anos anteriores são os preparatórios!”, brinca.
Esta matéria faz parte da série especial “Made in Sanja”, produzida pelo Portal SP Rio+, que celebra a população de São José e traz histórias de pessoas que se destacaram Brasil afora. Nesta temporada foram produzidas quatro reportagens que contam a vida e a trajetória do chef de cozinha Antonio Mavila, do ex-jogador de futebol e empresário Júnior Ferreti, do cartunista Jean Galvão e do fisioterapeuta esportivo Roberto Tupinambá.
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