
A vida serpenteia na memória ao som de Lô Borges e Milton Nascimento, mineiros que me transportam para Curitiba e Niterói
Símbolo de Minas Gerais para quase todo mundo, Lô Borges me lembra de Curitiba.
e de Niterói …
Coisas da vida.
Explico: na “república” em que morei em Curitiba nos anos 70, quando cursava Arquitetura & Urbanismo na Universidade Federal do Paraná, as músicas de Milton Nascimento, Lô Borges e Beto Guedes eram a trilha sonora quase que natural, embalando o dia-a-dia.
Na vitrola sempre tinha algum deles girando.
Beto Guedes era meu preferido, com “A Página do Relâmpago Elétrico”. Colega de “república”, colega de faculdade e colega de sonhos e aventuras pela cidade, Henri Colemonts preferia Milton, de “Milagre dos Peixes” a “Clube da Esquina”, 1 e 2. Mary Nishimura, minha amiga querida, essa sim, gostava mais de Lô Borges, o “disco do tênis”, que garimpei na antiga Diniz Discos, na praça Dom Epaminondas, no coração de Taubaté, para levar para o frio de Curitiba, mais frio ainda na “república” da rua Benjamin Constant.
Pois é, para mim, “exilado” em Curitiba, a sonoridade mineira rimava com Dalton Trevisan e Paulo Leminski.
Lembrei disso tudo, dias atrás, com a morte de Lô Borges.
Lembrei de um show dele que vi por acaso no sul de Minas. Muito bom. E de um show de Beto Guedes em Niterói, que, por acaso, virou um show de Milton. Para chegar lá, tive que vencer a maior chuvarada em plena travessia da Baía da Guanabara, tempestade que esvaziou o show. Éramos umas 20,30 pessoas no teatro. Duas, três músicas tocadas e Beto resolveu chamar ao palco um amigo que estava na plateia, escondido debaixo de um boné imenso de veludo verde.
Quem era o amigo? Bituca, Milton Nascimento.
Que sorte a nossa: depois da chuva, os “gatos pingados” ganharam ali um presente, Milton e Beto juntos, em um show inesperado. No final, tímido, arrisquei trocar meia-dúzia de palavras com eles.
Voltei para a casa em que estava, no Rio, feliz da vida …
O mundo tem muitas surpresas. Sempre. E dá muitas voltas. Sempre. Outro dia, meu filho Guilhermo, Guilhermo Codazzi, escreveu um bonito artigo n’OVALE sobre Lô Borges e citou o “disco do tênis”, que escutava, criança, na vitrola de casa, em Taubaté. É o mesmo disco do começo do texto, que sobreviveu aos anos de “república”, às indas e vindas, até chegar ao Bom Conselho. Arrastada pelo tempo, a vida é cheia de encontros e desencontros.
Conheço cada faixa do LP.
Mas, que ironia, nele não está minha música preferida de Lô, gravada anos antes por Milton: “Para Lennon e McCartney”. “Não precisam mais temer, não precisam da solidão, todo dia é dia de viver”, diz a letra. Acabei de escutá-la no Spotfy. Escute, vale a pena.
O mundo muda, tropeça, capota, mas algumas coisas continuam iguais, mesmo que soem diferentes.
Segue o baile…