O futuro da água talvez esteja… no ar. Literalmente.
Este ano, o Prêmio Nobel de Química consagrou uma inovação que parece saída da ficção científica: uma tecnologia capaz de extrair a umidade do ar e transformá-la em água potável, sem usar eletricidade.
Criada pelo professor Omar Yaghi, da Universidade da Califórnia, essa solução tem potencial para mudar a vida de bilhões de pessoas e colocar a água no centro da agenda global como nunca antes.
A urgência é real
Segundo a ONU, 2,4 bilhões de pessoas já vivem sob escassez severa de água, o que representa quase um terço da população mundial. E o cenário tende a piorar, pois até 2030, a demanda global deve superar a oferta em 40%. Em outras palavras, para cada 14 litros de água que precisarmos, só conseguiremos produzir 10. Isso não é um problema futuro é uma crise em aceleração.
Para entender a dimensão do desafio, basta um exemplo: os data centers dos Estados Unidos consomem cerca de 1,7 bilhão de litros de água por dia, volume suficiente para abastecer uma cidade de 10 milhões de habitantes quase um Portugal inteiro. É a infraestrutura digital competindo pelo mesmo recurso que precisamos para viver.
Mais do que uma questão ambiental, a água é um tema estratégico e geopolítico. Em várias regiões do mundo, ela já é motivo de tensão e disputa e pode se tornar ainda mais central em conflitos no futuro. A escassez hídrica ameaça cadeias de produção, a segurança alimentar e a própria paz social. Nenhuma indústria, economia ou sociedade sobrevive sem água.
E a crise não está distante. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO), 60% dos rios do planeta apresentaram níveis fora do normal no último ano, metade em seca severa e metade em excesso. No Brasil, 114 mil quilômetros de rios estão poluídos, afetando diretamente a qualidade de vida de mais de milhões de pessoas. A água deixou de ser um tema ambiental para se tornar um desafio civilizacional.
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A ciência que transforma ar em água
O trabalho premiado de Omar Yaghi se baseia em estruturas conhecidas como MOFs (Metal-Organic Frameworks) materiais cristalinos ultraporosos, formados por metais e moléculas orgânicas, com uma área interna tão grande que uma colher de chá pode ter a superfície de um campo de futebol.
Essas estruturas funcionam como “esponjas moleculares”: absorvem moléculas de água diretamente do ar, mesmo em ambientes áridos com umidade abaixo de 20%. Depois, com uma leve exposição ao sol, liberam essa água em estado líquido, pronta para consumo.
O processo dispensa eletricidade, é modular e escalável, e pode ser usado em locais remotos, zonas rurais ou comunidades vulneráveis. A startup fundada por Yaghi, Atoco, já trabalha para levar essa tecnologia do laboratório ao mundo real um exemplo poderoso de como a ciência pode oferecer soluções regenerativas em larga escala.
Essa mesma visão move o trabalho que desenvolvemos na O2eco Tecnologia Ambiental, onde tecnologias como os Ecoblocks, que regeneram rios e lagos sem produtos químicos, e o sistema Salus, que transforma lodo em água reutilizável, mostram que é possível devolver vida aos ecossistemas e eficiência aos processos industriais.
Estaremos ao lado da KPMG no Web Summit, em Lisboa, levando essa conversa ao palco global, a água como eixo da transição ecológica, econômica e social. Porque não há transição justa nem futuro sustentável sem segurança hídrica.
O chamado do século
O Nobel deste ano traz um lembrete claro que a água não é apenas um recurso é a base da vida. Sem ela, não há saúde, alimento, indústria ou tecnologia. E diante de um planeta mais quente e populoso, não podemos mais tratá-la como algo garantido.
E o diálogo entre ciência e economia nunca foi tão urgente. Se o Nobel de Química nos mostra que a inovação científica pode literalmente tirar água do ar e transformar a realidade, o Nobel de Economia reforça que inovacao é também o caminho mais sólido para o crescimento econômico e para a sustentabilidade de longo prazo. Juntos, esses dois reconhecimentos apontam para um futuro em que ciência e economia não competem se complementam para enfrentar os maiores desafios do nosso tempo.
Transformar a água em prioridade absoluta seja extraindo-a do ar, regenerando rios ou evitando desperdícios é talvez a tarefa mais urgente deste século. E é nesse horizonte que ciência, inovação e ESG se encontram, garantindo que, no futuro, cada gota seja preservada e cada ação conte para que nenhuma oportunidade de regenerar a vida e tecer um planeta mais justo, equilibrado e sustentável.