
Chegou a vez da nossa coluna, e o tema desta edição é especial: a Confraria da Cozinha sem Chef.
No dia 15 de agosto realizamos o nosso primeiro encontro. Um seleto grupo de médicos, apreciadores de boa gastronomia e de um bom vinho, foram convidados a ingressar nesse grupo que nasceu do prazer de cozinhar e compartilhar.
Definido o número de participantes, decidimos iniciar nossa jornada na casa de um amigo — a Enoteca Ferreti, no Urbanova. Um lugar aconchegante, localizado no Shopping Madrid, com uma cozinha de excelência conduzida pelo chef Pedro e sua equipe excepcional. O serviço, impecável: cordial, ágil e coordenado com perfeição.
Bastou um telefonema para o Junior Ferreti, que prontamente — e com sua já conhecida simpatia — abraçou a ideia. Em poucos minutos estavam definidos data, cardápio com harmonização de vinhos e uma aula do enólogo Domenico Piccolo, proprietário e sommelier da importadora Italia Mais, parceira da Enoteca.
🍽️ Menu do Primeiro Encontro
- Chianti Reserva (Toscana) — harmonizado com mini tábua de queijos e pães portugueses.
- Valpolicella Ripasso (Vêneto) — risoto de grana padano e linguiça fresca.
- Primitivo di Manduria Prisus 2020 (Puglia) — vinho número 1 da Itália no Fasano — harmonizado com nhoque de queijo gruyère e molho de tomate fresco.
- Gelso d’Oro 2021, 100% Nero di Troia — eleito o melhor vinho tinto italiano de 2024 — harmonizado com T-bone de cordeiro e legumes assados em brasa alta.
O evento foi alegre, regado a uma aula inspiradora sobre vinhos, harmonizações perfeitas e pratos de excelência — tudo acompanhado de boa música.
Aliás, um detalhe curioso: na revista O CABERNERD, de 7 de agosto, saiu uma reportagem intitulada “Vinho com música: sons que transformam a experiência”. O texto destacava como a música pode intensificar aromas, sabores e emoções. Nosso anfitrião não perdeu tempo e providenciou uma trilha sonora à altura.
Não sei dizer se mudou algo na percepção do vinho — mas a alegria, as conversas descontraídas e o ambiente acolhedor, com o prazer à mesa e o álcool subindo, já transbordavam emoção em todos os sentidos.
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Na verdade, o simples fato de estar entre amigos já é suficiente para nos proporcionar essa sensação de plenitude. Mas fica a dica: façam o teste em casa e depois me contem se a música fez mesmo diferença… ou se foi o vinho!
E como não poderia deixar de ser, encerramos a noite com uma bela sobremesa, um bom vinho de sobremesa e aquele café com gosto de quero mais — acompanhado da inevitável pergunta: “Quando será o próximo?”
🍷 O Segundo Encontro – Meu Desafio Pessoal
Não demorou muito. Marcamos o segundo encontro para o dia 4 de outubro. E veio o desafio: eu seria o responsável pelo evento gastronômico.
Sem palavras para agradecer, Ferreti, numa demonstração de amizade e generosidade, abraçou novamente a ideia e liberou não só o espaço da Enoteca, como também o uso da cozinha do restaurante. O chef Pedro Elesei com sua habitual elegância e espírito colaborativo, e toda a equipe aceitaram a proposta com entusiasmo.
Era hora de provar que eu tinha condições técnicas de realizar um almoço e encantar um grupo exigente — acostumado a frequentar bons restaurantes, inclusive no exterior. Minha primeira jornada em um restaurante.
A alegria era grande, mas logo veio a preocupação: o cardápio. O que preparar para agradar a todos?
Foram dias de tensão e muitas ideias. Quis respeitar o ritmo da casa, sem atrapalhar o trabalho do chef e de sua equipe, que teria o serviço normal à noite. Em meio a reportagens, visitas e descobertas de novos produtos, surgiam inspirações e mudanças de rumo.
No fim, definimos o mar como tema do almoço — e o grupo aprovou.
Mas aí começou o verdadeiro drama: não era época de lulas, o siri estava escasso e o polvo fresco não tinha garantia de entrega. Precisávamos de produtos frescos, e não foi fácil. Fizemos algumas adaptações, e a expectativa só aumentava.
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👨🍳 O Grande Dia
No dia 4 de outubro, chegamos à Enoteca, recebidos com o mesmo carinho e atenção de sempre pela equipe. A cozinha nos aguardava pronta, e o clima era de festa.
Começamos a preparar a entrada — salada de lulas grelhadas com pimentão, tomates frios e assados, azeitonas pretas, cebola roxa e queijo de cabra, acompanhada de fatias de pão tostadas com alho. Tudo transcorria bem, até notarmos a demora dos convidados.
A explicação veio logo: um pequeno equívoco de “copia e cola” fez parte do grupo se deslocar para a Enoteca do Aquarius. Resultado: atraso, fome e uma pitada de confusão. Mas nada que comprometesse o clima — apenas mais um desafio para testar nossa capacidade de improviso.
🍴 Menu do Segundo Encontro
- Entrada: Salada de lulas – lulas grelhadas com tomates sweet grape (metade assados, metade crus), cebola roxa, pimentão amarelo, azeitonas pretas e abacaxi grelhado, temperadas com azeite, limão-siciliano, pimenta dedo-de-moça e ervas frescas (coentro e dill), servidas com creme de queijo de cabra.
Harmonização: Bersaglio Bianco di Montalcino. - Primeiro prato: Filé de namorado com molho de manteiga e ervas, acompanhado de vinagrete de feijão tropeiro e farofa de banana-da-terra.
Harmonização: Sauvignon Blanc Ferreti. - Segundo prato: Risoto de polvo cozido em caldo aromático com erva-doce e capim-cidreira.
Harmonização: Merlot Ferreti. - Primeira sobremesa: Camarão flambado no Cointreau com espuma de manga e castanhas-de-caju.
Harmonização: Vinho do Porto. - Segunda sobremesa: Dolce inspirado na praia – uma criação a partir de um desafio do meu filho: representar o mar em forma de doce. Areias de diferentes tons (biscoito com manteiga, brigadeiro branco e de limão) formavam a base, sobre a qual repousava uma calda azul translúcida que lembrava o mar. Pequenas tartarugas, peixes e caranguejos de chocolate completavam a cena, acompanhados de um licor de doce de leite.
- Terceira sobremesa: A vencedora do concurso da Torteria Haguanaboka — torta de capim-santo com limão, criação do amigo Felipe (veja mais na coluna sobre a torteria).
🙏 Gratidão e Encerramento
No fim, tudo deu certo. O almoço foi um sucesso, o grupo saiu satisfeito e, para mim, ficou o sentimento de missão cumprida e coração cheio.
Meus sinceros agradecimentos ao casal Ferreti, pela confiança e generosidade; ao chef Pedro Elesei, pela paciência e por abrir sua cozinha com tanto profissionalismo; e aos meus incansáveis companheiros de fogão, Saber (meu amigo marroquino de talento raro) e Geraldo, cuja ajuda foi fundamental em cada etapa.
Uma confraria sem chef, sim — mas com muito sabor, amizade e emoção.
e já fica a duvida… quando será o próximo?