Em uma manhã abafada em Belém do Pará. No mercado do Ver-o-Peso, entre cheiros de ervas e óleos amazônicos, uma vendedora me contou que seu avô já usava sementes de andiroba como repelente natural. Hoje, o mesmo óleo chega às prateleiras de farmácias sofisticadas em São Paulo e até em Paris.
A diferença é que, no meio do caminho, quase não sobra valor para quem colhe, processa e protege a floresta. Falta algo fundamental: investimento estruturado para transformar saber tradicional e biodiversidade em negócios sustentáveis e escaláveis.
Segundo a Embrapa, a bioeconomia pode movimentar até US$ 284 bilhões por ano no Brasil até 2050, se houver políticas claras e financiamento adequado. Hoje, estamos muito longe disso.
Um estudo do Climate Policy Initiative mostra que, entre 2021 e 2023, o setor recebeu apenas R$ 16,6 milhões anuais em média quase nada diante do tamanho do desafio.
E o pouco que existe é mal distribuído: 74% foi para bioenergia e florestas plantadas, atividades de baixo risco e alta escala. Já os produtos de biodiversidade nativa, que carregam inovação e valor agregado, ficaram com só 15%.
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Em outras palavras: seguimos investindo onde é mais “seguro”, mas deixamos de lado a essência da bioeconomia.
O contraste dói quando olhamos o crédito rural, a soja sozinha recebeu dezenas de vezes mais recursos do que as cadeias da biodiversidade. Isso explica por que tantas comunidades amazônicas ainda dependem de atividades predatórias, mesmo quando poderiam prosperar com soluções de baixo carbono.
O Brasil já tem cases poderosos. O açaí, por exemplo, movimenta um mercado global de aproximadamente US$ 1,5 bilhão por ano. O fruto que nasceu como alimento regional se tornou um “superfood” mundial. A diferença? Houve organização de cadeia, agregação de valor e algum apoio logístico.
Lá fora, a Finlândia criou a Bioeconomy Strategy 2035, apostando em bioplásticos e tecidos de fibras florestais, com financiamento pesado da União Europeia. Já Ruanda investe em materiais biodegradáveis feitos de banana e mandioca, mostrando que até países pequenos podem liderar quando têm políticas claras.
Amazônia 4.0: ciência, tecnologia e floresta em pé
É nesse ponto que entra o Projeto Amazônia 4.0, do climatologista Carlos Nobre. Ele propõe transformar a floresta em um verdadeiro laboratório de inovação, unindo ciência de ponta, tecnologias digitais e conhecimento tradicional.
A ideia é instalar Laboratórios Criativos da Amazônia que capacitem comunidades locais a processar seus produtos de forma mais sofisticada, garantindo rastreabilidade com blockchain, aplicando biotecnologia para gerar novos cosméticos, fármacos e alimentos, e valorizando o saber ancestral.
O objetivo é romper o ciclo em que o valor agregado do açaí, da castanha ou da andiroba acontece longe da floresta. Em vez disso, a riqueza ficaria na região, criando bioindústrias locais, empregos e renda, tudo com a floresta em pé.
O Amazônia 4.0 mostra que o problema não é falta de ideias ou capacidade, mas falta de capital e políticas consistentes para dar escala a esse modelo. Se o novo Plano Nacional de Bioeconomia conseguir dialogar com iniciativas assim, podemos virar o jogo.
Estimativas feitas no Pará indicam que, com R$ 720 milhões de investimentos em bioeconomia, seria possível gerar R$ 816 milhões adicionais no PIB estadual, criar 6,5 mil empregos e aumentar em R$ 135 milhões a massa salarial.
São multiplicadores que provam: cada real bem alocado se converte em riqueza, renda e floresta preservada.
Quando falamos de bioeconomia, não é só sobre cosméticos de andiroba ou barras de açaí vendidas em Nova York. É sobre o futuro do Brasil. Ou conseguimos construir cadeias de valor que remunerem quem protege a floresta, ou continuaremos presos ao ciclo de riqueza curta e destruição longa.
A bioeconomia é a chance de transformar o Brasil em líder mundial de inovação sustentável. Mas, para isso, precisamos sair do discurso e colocar capital onde estão as ideias.
Como diz Carlos Nobre no Podcast ESG na prática: “Temos agora um otimismo em pensar uma Amazônia com desmatamento zero, com uma bioeconomia de floresta em pé, em que uma árvore vale mais em pé do que deitada”