Imagine pessoas que, por gerações, vivem e trabalham em fazendas ou sítios, dependendo da terra fértil, da chuva no tempo certo e da saúde das plantas. Por décadas, elas começam o dia cedo, calçam as botas, pegam a enxada e preparam o café. Mas, com o passar dos anos, algo mudou no aroma da terra.
O cheiro natural da lavoura deu lugar a um odor forte, químico, quase metálico, vindo do “matador”, como muitos chamam o herbicida que é pulverizado sobre as plantações. Ele mata o mato, mas também silencia o som dos insetos, turva a água do córrego e deixa no ar uma dúvida que ninguém sabe responder: até quando isso é sustentável?
Essa semana, uma notícia internacional reacendeu esse debate. Uma grande fabricante de um dos herbicidas mais vendidos do planeta anunciou que vai substituir seu principal ingrediente e mais conhecido, por uma nova substância.
À primeira vista, parece um avanço. Mas cientistas e ambientalistas já estão alertando: essa pode ser mais uma “substituição lamentável”. Em vez de resolver o problema, camufla-se o veneno com outro nome, possivelmente mais tóxico e ainda menos estudado, segundo a “Science Alert”
No Brasil, onde o uso de agrotóxicos bate recordes, a notícia tem ainda mais peso.
Um líder mundial… do lado errado.
Somos o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Entre 2010 e 2020, o volume utilizado por ano saltou de 384 mil para 685 mil toneladas de ingredientes ativos, um aumento de mais de 78%, segundo o Instituto Escolhas.
A maior parte desses produtos vai para soja, milho e algodão. E muitos contêm substâncias que já foram proibidas na União Europeia, mas continuam liberadas no Brasil graças a brechas políticas e pressões do agronegócio.
E vale ressaltar a importância estratégica do agronegócio para a economia brasileira, especialmente no que diz respeito à geração de empregos, divisas e segurança alimentar. Mas é justamente por sua força que ele precisa liderar o movimento por práticas mais sustentáveis e responsáveis.
Só entre 2019 e 2022, mais de dois mil novos agrotóxicos foram autorizados no país, alguns com substâncias altamente tóxicas. A governança, nesse caso, é frágil: o sistema de aprovação passa por três órgãos (Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura), mas parece que quem dita o ritmo ainda são os interesses econômicos.
ESG que se aplica no campo e na cidade
Segundo o artigo, o caso da substancia e de sua “nova fórmula” é um alerta para o risco de greenwashing químico. Troca-se o nome, muda-se a embalagem, mas os impactos continuam os mesmos ou piores: morte de polinizadores, contaminação de solos e lençóis freáticos, e prejuízos à saúde humana que variam de problemas neurológicos a câncer, como mostram estudos da Fiocruz e da Abrasco.
Enquanto isso, soluções reais, baseadas na natureza, como o controle biológico, bioinsumos, bioestimuladores, agroecologia e manejo regenerativo do solo seguem sendo marginalizadas, tratadas como “alternativas” em vez de estratégia central.
O problema é que até essas soluções acabam sendo ineficazes quando enfrentam um sistema que opta por matar tudo: as ervas, os insetos, as bactérias do solo e com elas, a vida que sustentaria o ciclo natural da produção.
E como ficamos?
O ESG, quando levado a sério, exige mais do que discurso corporativo. Exige que o “G” de Governança funcione com base em ciência, e não em interesses eleitoreiros ou econômicos. Que o “S” do Social proteja quem vive no campo, quem consome, quem cozinha. E que o “E” Ambiental olhe não só para o carbono, mas para o que realmente alimenta o planeta: água limpa, solo vivo e biodiversidade.
Voltemos aquela pessoa que vive da terra. Ela não aparece em relatórios de impacto nem nas capas de revistas de sustentabilidade. Mas sente na pele o efeito dessas decisões. Quando o cheiro do veneno volta a subir da terra, ela sabe que a promessa de “melhoria” era só marketing.
O que preocupa é que, às vezes, muda o nome, mas será que muda a ação do veneno?
Confira também: Quando a ciência encontra o amor