
Enquanto olhamos para o chão em busca de soluções para o desmatamento, a desigualdade e as crises hídricas, acima de nossas cabeças cresce uma ameaça invisível: o lixo espacial. Pode parecer um tema distante da realidade brasileira, mas não é. Na verdade, ele escancara um ponto-chave do ESG: a ausência de governança global diante de impactos crescentes.
Hoje, orbitam a Terra mais de 36 mil objetos maiores que 10 cm, segundo a Agência Espacial Europeia (ESA), além de cerca de 1 milhão de fragmentos entre 1 e 10 cm. São restos de foguetes, satélites desativados e detritos de colisões. E esse número aumenta a cada novo lançamento. Só a constelação Starlink, da SpaceX, planeja colocar até 42 mil satélites em órbita nos próximos anos.
Mas o que isso tem a ver com ESG?
“E” de Ambiental: o céu também faz parte do planeta
O “E” de ESG não termina na atmosfera. Satélites são fundamentais para o monitoramento climático, controle de queimadas, medição de desmatamento e até previsão de enchentes. O Brasil, por exemplo, depende fortemente do sistema DETER, operado pelo INPE, para acompanhar em tempo quase real a degradação da Amazônia.
Se perdermos esses olhos no céu, perdemos também a capacidade de agir com rapidez na Terra. Em 2023, um satélite brasileiro teve que manobrar para evitar colisão com lixo espacial — um risco que se tornará mais comum nos próximos anos.
A Embrapa, por sua vez, utiliza imagens de satélite para monitorar secas e a produtividade agrícola. O agronegócio brasileiro — responsável por cerca de 24% do PIB nacional — depende dessa tecnologia. Qualquer falha compromete a sustentabilidade econômica e ambiental do setor, com consequências sem precedentes para o Brasil.
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“S” de Social: o impacto é desigual
Embora o lixo espacial esteja no céu, seus efeitos atingem populações em solo. Se houver falhas nos satélites de comunicação e rastreamento, áreas remotas e vulneráveis — já com pouco acesso à conectividade e infraestrutura — serão as mais prejudicadas. A desigualdade digital se aprofunda, limitando o acesso à educação, saúde e informação.
Além disso, satélites são usados para prever desastres naturais, como enchentes, deslizamentos e secas. Com o clima cada vez mais instável, perder esse suporte tecnológico pode custar vidas.
“G” de Governança: a fronteira final
Aqui está o ponto crítico. Apesar dos riscos evidentes, não há um tratado internacional eficaz e atualizado sobre o gerenciamento de lixo espacial. As normas existentes foram criadas na década de 1970 e não acompanham a realidade atual, em que empresas privadas dominam a corrida espacial.
Segundo a OCDE, menos de 10% dos satélites lançados têm um plano concreto de desativação e reentrada controlada. Isso é o equivalente a um lixão orbital — crescente e mal fiscalizado. A falta de governança global sobre o espaço pode se tornar o próximo grande fracasso regulatório.
ESG interplanetário?
Pode parecer provocação, mas é antecipação. Ser proativo em questões como as citadas acima é, antes de tudo, uma questão estratégica. ESG não é apenas sobre “ser verde” — é sobre antecipar riscos sistêmicos, propor governança responsável e proteger o futuro.
A crise climática nos ensinou que o planeta não tem fronteiras quando se trata de impactos. O mesmo se aplica ao espaço. Não existe “fora” no universo — tudo volta e está conectado.
Confesso que, até me debruçar sobre o tema para esta coluna, nunca tinha pensado a fundo no ESG sob uma perspectiva verdadeiramente universal. Mas, se queremos sustentabilidade de fato, precisamos enxergar o ESG como uma agenda de corresponsabilidade planetária. E talvez esteja na hora de olharmos mais para o céu — não como escapismo, mas como um chamado à responsabilidade.