
Dificilmente se encontrará na história do Brasil um escritor com tanta afinidade como Cassiano Ricardo e sua cidade natal.
Ele não só escreveu sobre o lugar, mas apresentou em sua obra uma temática tecnológica e científica muito forte, como se projetasse no futuro e visse uma cidade tecnológica, progressista e inovadora na relação homem e máquina.
Além de ter se empenhado para aprimorar a Educação em sua terra natal. O que lhe confere a importância de patrono da educação joseense, como ficou estabelecido na aprovação da Câmara Municipal de São José dos Campos no último dia 22, pelo PL 166/2025, de autoria do vereador José Luis Nunes (PSD) — inclusive joseense de nascimento.
Esse título de patrono para o imortal da ABL não é apenas uma homenagem simbólica, mas um novo marco na busca por recuperar a obra, vida e sua importância histórica e literária. Essa é uma oportunidade única para se consolidar de vez as inúmeras tentativas de resgatar Cassiano Ricardo como literato e pessoa.
Pois isso só se concretiza por meio da educação e de uma formação mais sólida sobre o escritor tanto para professores como para os estudantes. Entender Cassiano é também entender o Brasil, tanto no panorama do século 20 como em seus reflexos no século 21;
Os fatos falam por si. Cassiano Ricardo escreveu seus primeiros versos no Grupo Escolar Olímpio Catão, onde também produziu seu primeiro jornal O Ideal e seus primeiros versos. Em sua genialidade, que o tornaria anos mais tarde num dos destaques dos poetas modernistas do Movimento de 22, a escola era o universo mágico onde podia exercitar seus versos — que eram publicados no jornal da cidade — e suas primeiras impressões sobre o mundo que habitava.
Mesmo quanto a cidade com o desenvolvimento ainda tímido, o poeta buscava saber detalhes sobre a evolução da pequena São José em longas cartas escritas ao amigo e poeta joseense Hélio Pinto Ferreira, ou nas conversas com o primo e jornalista do periódico Correio Joseense, Napoleão Monteiro.
Por anos, Cassiano Ricardo assinou o jornal da cidade que lhe era enviado semanalmente para São Paulo, onde residia. Então soube da chegada do ITA, do CTA, do surgimento da Embraer e das fábricas da GM e Johnson entre tantas que o empolgava.
Ao longo da vida como chefe de gabinete dos governadores paulistas (anos 30, 40 e 50), foi um dos maiores catalisadores para a expansão do setor educacional da cidade, pois conseguiu verbas para a construção de colégios e melhoria de escolas (como citado nos versos do poema Pedido a um Oficial de Gabinete).
…” Uma professora ingênua/ te trará as suas queixas, / olhos azuis de quimera/ de tanto esperar governo / numa sala azul de espera / (ó esperança nacional). / E mesmo o chefe político / cheio de santa inocência / virá em nome do povo / com os seus pedidos em flor, / com o barro municipal / que lhe ficou no sapato, / os olhos cheios de amor, / pedir pontes e colégios / pra sua terra natal…”
Na década de 60, o autor do épico brasileiro Martim Cererê, conseguiu verbas federais e doações junto aos amigos e companheiros das academias paulista e brasileira de Letras para criar a primeira biblioteca pública de São José dos Campos.
Quando veio inaugurá-la, junto ao prefeito Elmano Ferreira Veloso, formalizou a doação de suas obras completas. E alertou: ” é para os futuros poetas que surgiram aqui, os meus pequenos conterrâneos de escolas como a que frequentei, o Olímpio Catão”.
O poeta, ensaísta, jornalista e advogado — e um dos maiores intelectuais de sua geração – Cassiano Ricardo Leite Machado nasceu nas proximidades do largo da matriz de São José dos Campos, em 1894, um dia antes do aniversário da cidade.
Ainda criança, passou a ser alfabetizado por sua mãe, Minervina Ricardo, sua primeira professora. O menino mostrou sua tendência a escrita e seu tio-avô, Manuelzinho Ricardo, o único farmacêutico da cidade, passou a lhe ensinar a arte dos versos.
Em sua reaproximação com a cidade, Cassiano Ricardo estimulou atividades educacionais, como os jograis feitos pelos alunos do Colégio João Cursino, concurso de poesia, declamações de seus poemas pelos estudantes.
Enquanto teve saúde, vinha de São Paulo para ser jurado e participar dessas atividades educativas. Falou para os estudantes sobre sua visão de Brasil, de São Paulo e, principalmente, de São José dos Campos onde brotava — para seu entusiasmo, como alardeava em entrevistas e em conversas nas academias — um grande polo tecnológico.
Cassiano dava grande valor a educação, inclusive pelo fato de não ter conseguido terminar seus estudos em São José dos Campos no final da década de 10, do século passado, pois a cidade não tinha outra escola que tivesse o ensino médio. Seus estudos foram concluídos na vizinha Jacareí, o que o forçou a — pela primeira vez, ainda muito jovem — sair de sua cidade natal.
Mas isso trouxe em Cassiano o compromisso de estimular a educação com seus ensaios sociológicos e antropológicos, entre eles o festejado “Marcha Para Oeste”, que estimulou tanto Getúlio Vargas como Juscelino Kubistchek a pensarem numa Capital Federal bem ao centro do Brasil. Cassiano, acima de tudo, era um nacionalista que acreditava no Brasil e nas gerações futuras.
Sentimental e profundamente saudoso de São José dos Campos, o poeta publica em 1970 sua autobiografia Viagem no Tempo e no Espaço, na qual se recorda da escola, dos colegas e também dos nomes de seus professores. “…no Grupo Escolar Olímpio Catão, onde era tido como menino ‘muito inteligente’ por meus professores Antonio Porfírio da Silva, Dermeval Pereira Leite e José Vieira Macedo…”.
Cassiano Ricardo, em seu discurso nas dependências do Tênis Clube, em 1967, no Bicentenário de São José dos Campos e quanto se instituía a Semana Cassiano Ricardo, profere a célebre frase “Sou poeta porque nasci em São José”. E enaltece São José tecnológica, pujante: “O avanço de São José para o futuro também me deslumbra. A paisagem industrial, a juventude de suas escolas e faculdades…. Tudo constitui uma nova inauguração da cidade. “
E ele expressou esse futuro em seus poemas de temática tecnológica, como no premiadíssimo Ladaínha: “Por que levantar o braço / para colher o fruto? / A máquina o fará por nós. / Por que labutar no campo, na cidade? / A máquina o fará por nós./ Por que pensar, imaginar?/ A máquina o fará por nós. / Por que fazer um poema? / A máquina o fará por nós. / Por que subir a escada de Jacó? / A máquina o fará por nós./ Ó máquina, orai por nós. “
Jornalista, com pós-graduação em Jornalismo Científico e atuação em grandes jornais do País, Julio Ottoboni é autor da coletânea A Flauta que me roubaram, de poesia de Cassiano Ricardo, e Ramis, o gênio indomável, além da participação em mais de 20 livros. Tem atuado na curadoria da Semana Cassiano Ricardo da FCCR.