Em 1986, o italiano Carlo Petrini, realizou um protesto contra a inauguração de uma unidade do MacDonalds na Piazza di Spagna, em Roma. Para se contrapor ao fast food nasceu o Slow Food. Na época ele não imaginaria a dimensão que seu protesto tomaria. Surgiu assim a semente do Slow Movement.
Uma aspas aqui para lembrar que nos anos 80 São José dos Campos ficou mundialmente famosa devido a falência do primeiro fast food MacDonalds. Ele ficava na esquina da Rua XV de novembro com a rua Dolzani Ricardo. Neste local ficava o antigo colégio das freiras salesianas, o Externato São José. Depois chamado Colégio Sinésio Martins que foi demolido de maneira “fast” em 1986 devido a rumores de que seria preservado municipalmente.
Os fatos históricos são ricos em detalhes e a diversidade cultural é imensa. Carlo Petrini propunha defender as tradições regionais da Itália, o prazer gastronômico, as produções locais e seus processos autênticos. O movimento evoluiu tanto que hoje o Slow Food está presente em mais de 160 países, inclusive no Brasil.
Com o tempo surgiram inúmeras vertentes slow criando o Movimento Slow-slow food, slowcities, slow fashion, slow aging, slow school, slow travel etc.
O principal responsável por sua difusão mundial foi o jornalista escocês Jean Carl Honoré autor do livro Devagar – como um movimento mundial está desafiando o culto da velocidade e sob pressão.
“É uma revolução cultural contra a noção de que mais rápido é sempre melhor. A filosofia Slow não é fazer tudo a um ritmo de caracol. Trata-se de tentar fazer tudo à velocidade certa. Saboreando as horas e minutos em vez de apenas contá-los. Fazendo tudo o que for possível, em vez de ser o mais rápido possível. É sobre ter qualidade em detrimento da quantidade em tudo, desde o trabalho até a comida e a criação dos filhos.”
A velocidade tem história
As distâncias são as mesmas desde o período do vasto mundo onde carruagens desbravavam, com receio, a 16 km/h longos territórios e hoje jatos fazem os mesmos trajetos a 1.100 km/h. O tamanho do mundo não mudou mas nossa percepção sobre ele sim. Passamos de uma vastidão de mundo a ser descoberto e explorado para uma aldeia global instantânea.
“A revolução dos transportes pode ser associada à percepção de encolhimento do mundo. Da época do transporte a cavalo até o presente, a percepção de tamanho de mundo está quatro vezes menor” ( Harvey-2.007).
Bauman, por sua vez, apresenta a contemporaneidade como uma vida líquida em que “as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir” (BAUMAN, 2009 p. 7). Ou seja, a sensação de viver em uma atmosfera de liquidez é a essência da sociedade contemporânea.
Com as comunicações não foi muito diferente, os jornais podiam levar dias para publicar acontecimentos de outros países. O Times em 1845 reportou noticias da Cidade do Cabo com 8 semanas de atraso e do Rio de Janeiro com 6 semanas. Já em 1905 um telegrama levava 9 minutos para dar a volta ao mundo. A glamourização da velocidade foi se estabelecendo como valor de poder para superar obstáculos e limites à ambição humana. Eficiência progressiva, aumento do lucro, uma cultura cada vez mais acelerada.
Slow Movement é uma nova abordagem à temporalidade, uma relação mais saudável com o tempo, maior valorização dos bens não materiais. Executar cada atividade em seu devido tempo, priorizar a qualidade e não a quantidade. Eliminar tarefas e hábitos supérfluos. Repensar valores de consumo e incluir processos de sustentabilidade.
Não é relaxar para as demandas de nossa realidade mas sim controlar o ritmo de nossas atividades.
Se você vai na feira, seleciona seus alimentos, sabe a origem das verduras, frutas e legumes que compra e prepara sua comida você já está inserido em certa medida no slow food. O que escolhemos comer interfere no meio ambiente, processos tradicionais, economia e biodiversidade. É o prazer da alimentação associado à produção social e ambientalmente responsável de alimentos. Alimentação – um direito humano do qual ninguém deveria ser privado.
A alimentação também acompanhou a perspectiva da vida cada vez mais veloz criando produtos processados para consumo rápido deixando um rastro de malefícios à nossa saúde com conservantes e agrotóxicos, poluição ao meio ambiente com toneladas de embalagens e propagandas sedutoras com celebridades que não consomem tais produtos.
Velocidade na arte
A velocidade encantou um grupo de artistas italianos que criaram o movimento chamado Futurismo, em 1909 e 1910. Glorificavam as turbinas e a eletricidade, se deslumbravam com o encurtamento das distâncias. Giacomo Balla, um dos fundadores do movimento disse:
“É mais belo um ferro elétrico do que uma escultura.”
Podemos imaginar por esta frase o impacto de tantas inovações na vida cotidiana, na estrutura da economia, na dinâmica do trabalho, na formação profissional, nas relações sociais, medicina, agricultura, transporte, surge um novo mundo.
Quanto mais a tecnologia foi diminuindo o tempo em relação ao espaço mais o sistema foi buscando eliminar o tempo ocioso e improdutivo criando a competitividade, padronização, mecanização de processos que o acumulo de tarefas parecia dar conta. E nesse mundo a velocidade ocupa o pódio.
“O esplendor do mundo se enriqueceu com uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um automóvel de carreira é mais belo que a Vitória de Samotrácia”, frase de Filippo Marinetti, outro futurista.
Particularmente gosto muito das pinturas desse período. Os artistas se desafiaram a representar a velocidade tanto na pintura quanto na escultura e ainda podemos sentir nessas obras esse valor explicito que nos acompanha até hoje. A escultura Formas Únicas da Continuidade no Espaço do artista italiano Umberto Boccioni é muito mais bela que qualquer ferro elétrico.
Mais ou menos nesse mesmo período acontecia no Brasil A Semana de Arte Moderna. Nasce a personagem Macunaíma que tem o poder de alterar a si mesmo, outros seres e o próprio ambiente. Às vezes primitivo, às vezes civilizado. Sua frase mais emblemática,“Ai que preguiça”.
A Preguiça, mamífero de hábitos lentos, representa sabedoria e serenidade para concluir algo, seus movimentos são leves e tranquilos porque ela tem a certeza e segurança do que precisa fazer para chegar onde deseja. Macunaíma precursor do Slow Movement.
A filosofia Slow não é fazer tudo a um ritmo de caracol ou de preguiça.
Durante um período a aceleração foi benéfica para a humanidade mas seu custo-benefício diminuiu nas ultimas décadas resultando numa vida que corremos contra o relógio, acumulamos tarefas importantes misturadas com supérfluas. E quando percebemos temos problemas em vários setores das nossas vidas. O trabalho tem um tempo ilimitado hoje.
É muito bom podermos pensar num mundo diverso deste, o Slow Movement é um germe de mudança.
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