“A utopia está no horizonte e sei muito bem que nunca alcançarei
Se caminho dez passos ela se afasta dez passos
Quanto mais me aproximo mais ela distancia
Quanto mais a busco menos a encontrarei porque vai se distanciando
enquanto me aproximo
Utopia serve para caminhar.”
(Fernando Birri, cineasta argentino)
E se as crianças pudessem aprender a cantar, tocar um instrumento e dançar na escola? Fazer suas bandinhas, apresentar suas peças teatrais, cantar suas músicas favoritas?
Aprender a fazer vídeos com seus celulares, fazer entrevistas com pessoas importantes para elas, registrar momentos familiares com mais qualidade técnica?
Enfim, uma imensidão de possibilidades que unem arte, cultura e criatividade.
E se minha utopia se realizasse – arte e cultura integradas nas escolas?
De Aldeia do Rio Comprido no século XVI para capital da cultura no século XXI.
Cinco séculos evolutivos e várias janelinhas fechadas. Podemos abrir algumas.
Um padre em 1680 escravizou os povos originários, os primeiros habitantes desta Aldeia. Favoreceu fazendeiros, distribuiu terras e aglomerou os nativos ali onde hoje é a Igreja Matriz. Assim, começou nossa história com índios e padres.
Os índios Puri habitaram grande parte do Vale do Paraíba, povo miúdo, comedor de carne humana. Antropofagia jamais comprovada. “Gente mansa ou tímida”, na língua deles mesmos.
Estimados 5 mil no século XVIII e contabilizados 615 pelo IBGE em 2010. Aqui o site deles.
Incrível esse arco histórico: 1680 a 2023. Podemos ouvi-los hoje. De alguma maneira sobreviveram, se reorganizaram e estão ativos no mundo contemporâneo. Gente mansa e tímida não parece ter perfil canibal.
Já ouviu falar do efeito borboleta? Não perca e assista – Efeito Borboleta (2004).
O bater de asas de uma simples borboleta pode ter um efeito dominó e afetar um outro sistema distante. Imagine uma bola que escapa de um jogo no campinho de futebol, atravessa uma avenida, um carro freia, o de trás bate. Surgem inúmeras consequências.
O dono do carro que bateu tinha um compromisso, vai atrasar e afetar outras pessoas. Eu esperava esta pessoa para dar um adeus que nunca aconteceu. Uma cadeia sucessiva de acontecimentos provocados por um único acidente, a bola que escapou do campinho. Isso é efeito borboleta a grosso modo.
O povo miúdo, tímido, manso e comprovadamente não canibal se não tivesse sido escravizado pelos padres seriam em 2010 talvez 50% da população de nossa cidade em torno de 350 mil indígenas.
Uma possibilidade de efeito borboleta para isso ocorrer seria que a carta do Governador da Capitania chegou na Aldeia com uma ordem que foi mal entendida. Os fazendeiros e colonos desconfiados mas com medo de duvidar da autoridade do Governador entenderam que não deveriam escravizar os índios Puri.
Miscigenação contínua e seríamos, nós os atuais joseenses, mansos e tímidos por herança de DNA e talvez canibais, sem comprovação, claro.
Vila pacata até 1850, não tivemos relevância cafeeira, ao contrário das cidades vizinhas. Elevada a categoria de cidade em 1864 torna-se São José dos Campos em 1871. Dado o efeito borboleta, os Puri enfrentariam estas questões de outra maneira, afinal eram porcentagem relevante da Aldeia como um todo.
Talvez optassem por ‘Uchô Pury’ sem a referência ao São José. Ficando o nome da aldeia ‘Uchô Pury’ dos Campos.
Historicamente seguimos pacatos até a fase senatorial, onde investimentos estatais e planejamentos urbanos criariam as bases da cidade industrial. Os Puri teriam contribuído com sua etnomedicina relativa ao domínio e conhecimento do território que habitavam. Quem sabe mais uma solução ao tratamento da tuberculose? Um efeito borboleta com sementes promissoras.
Comprovados benefícios dos sistemas Puri de existir trazem para nossa Aldeia ‘Uchô Pury’ dos Campos, uma coexistência diversa e singular. As fases sanatorial e industrial seguintes ocorrerão, mas nossas capacidades de enfrentar problemas e planejar se conectariam com os sistemas da natureza. Ampliaríamos assim nossas possibilidades evolutivas como humanos consumidores e conscientes.
Entre 1920 e 1940 os setores da cerâmica e tecelagem se instalam em nossa Aldeia e os Puri, com conhecimentos ancestrais, contribuiriam para manufatura e estética dos produtos integrados com a linha de produção industrial. A Tecelagem Parahyba se destacaria mundialmente na confecção de cobertores, isso de fato ocorreu.
Mais uma provável janelinha do efeito borboleta de 1680 – os Puri por volta de 1920 teriam contato com Mario de Andrade que em 1926, ao escrever Macunaíma, citaria os benefícios da miscigenação indígena no Vale do Paraíba.
Nasce a Semana de Arte Moderna e a famosa frase: só a antropofagia nos une. Oswald de Andrade se apropria do termo para definir a cultura brasileira onde o colonizado se torna mais forte que o colonizador ao digeri-lo.
Nesses termos, percebemos a estratégia usada pelos Puri e porque eram chamados de canibais, deglutiram o que havia de melhor dos seus colonizadores permitindo a união miscigenada neste mundo diverso. Um processo de soma sem eliminar os capitais culturais de cada um.
Nosso poeta Cassiano Ricardo escreve sua obra maior Martim Cererê em 1928. Contemporâneo de Oswald e Mario de Andrade, Cassiano Ricardo defenderá a diversidade, sendo ele mesmo testemunha desta união com os Puri.
Nessa sequência histórica podemos imaginar a harmonização dos Puri na nossa Aldeia que se desenvolve industrialmente integrando pela rodovia Dutra- São Paulo e Rio de Janeiro. Nos tornamos um polo intermediário e estratégico no cenário nacional.
Entre tantas relações possíveis de convivência com a ancestralidade Puri tenho curiosidade sobre a convivência das crianças nessa Aldeia miscigenada que nos tornamos com o efeito borboleta de 1680.
“É preciso uma Aldeia inteira para educar uma criança” é um provérbio africano que propõe que nenhuma pessoa aprende e se desenvolve somente a partir dos valores de sua família nuclear, mas de toda a sociedade.
Acredito que você consiga lembrar que sua criança chegou um dia da escola entusiasmada com brincadeiras coletivas e que trouxe questões sobre coleguinhas e hábitos diversos dos dela. Sua aldeia inclui a escola, a casa dos avós, vizinhos etc.
Somos afetados por hábitos e culturas diversas diariamente.
Chegamos aos anos 60 e nossa Aldeia começa fabricar aeronaves, muitas pesquisas e corajosos pilotos testaram nossos protótipos. Me lembro com bastante carinho do Major José Mariotto Ferreira, oficial militar, piloto de prova, que perdeu sua vida num desses testes.
Foi nosso vizinho e tenho ótimas lembranças da convivência com seus filhos. Foi uma experiência traumatizante para todos nós que vivíamos esse momento histórico de nossa Aldeia.
Gerações seguidas e a convivência dos Puri nessa grande Aldeia que nos tornamos proporcionou valores que seguimos defendendo. Principalmente relativo à educação das crianças e adolescentes. As crianças não são mais os adultos em miniatura dos séculos passados.
Leia mais: Somos uma multidão anônima no mundo paralelo da cultura
Nossa trajetória tem evidências que cinco séculos depois ainda nos interessam entre a história que conhecemos e as experiências que vivemos. Conseguiremos escapar da contaminação de valores que nos limita ou faremos o grande esforço de identificar nossas pegadas e escolhas?
Afetamos diariamente nossa família, nossa comunidade e somos afetados por elas.
Esta seria uma possibilidade de união fraternal proposta pelos Puri antropofágicos que inspiraram Oswald de Andrade – somarmos nossas diversidades.
Escolas culturalmente estruturadas geram benefícios integrados criativamente. As possibilidades de união são aprendidas nas práticas artísticas coletivas. Poder exercer a curiosidade e enfrentar os desafios dos processos criativos fortalece nossa capacidade de entusiasmo com o aprendizado.
Hoje o processo de aprendizado é contínuo e ter ferramentas para melhor explorar os modelos existentes nos possibilitará ultrapassá-los. Ao repensar e regenerar sistemas falidos, capengas mas de consumo atraentes poderemos reivindicar a utopia.
Pequenas mudanças podem trazer efeitos surpreendentes. Reivindicar escolas culturalmente criativas com certeza é uma delas.
Utopia: u quer dizer não e topia lugar. O Não lugar, um lugar inexistente mas que nos motiva a caminhar em sua direção.
Fiquemos atentos aos efeitos borboleta. Os Puri não foram poupados, mas nossas crianças podem ser.
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