
Ricardo Galvão, ex-diretor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) costuma alinhar em seus textos de apresentação pessoal: avô, ciclista, apicultor, pesquisador.
Cuida também com elegância de seu portentoso bigode grisalho. Está em forma aos 78 anos.
Engenheiro em Telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense, com mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Campinas (UNICAMP), doutorado em Física dos Plasmas pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), professor na Universidade de São Paulo, Galvão agora deve incluir outra atividade igualmente séria no vasto currículo: “será a voz da ciência” no Congresso Nacional.
Suplente de deputado federal pela Rede Sustentabilidade da amiga Marina Silva (obteve 40.365 votos depois de campanha muito enxuta), o cientista já ocupa a cadeira do titular Guilherme Boulos (PSOL), que foi empossado como novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República.
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Bateu de frente com Bolsonaro
Galvão pertence a um grupo de pesquisadores engajados, que acreditam na ação política. Ganhou mais notoriedade depois de, como diretor do INPE (2016-2019), enfrentar o governo Bolsonaro.
O Instituto divulgara, como sempre, uma série de números que escancaravam o desmatamento da Amazônia. O presidente não gostou, chamou Galvão de mentiroso. Ele reagiu e foi demitido.
O governo Bolsonaro foi um “cataclismo político”, descreve hoje Galvão com metáfora da climatologia. Ele ressalta que houve, nesse período, “um verdadeiro desmonte das políticas públicas”.
Segundo ele, em cinco anos, os recursos orçamentários do INPE caíram pela metade, comprometendo os projetos dos satélites.
“A ciência é o caminho, a democracia é o alicerce e a sustentabilidade é o destino”, diz Galvão diante dos não poucos desafios que vai enfrentar na Câmara.
Ele reforça, entretanto, que tem fé na razão, na solidariedade e esperança no “futuro justo do possível”.
O pragmatismo já o leva a articular uma participação na Comissão de Ciência, para participar do debate orçamentário de 2026.
Afinal, há de se pensar nas entidades científicas e de pesquisa que precisam de recursos para avançar, já que sobreviveram ao negacionismo do governo anterior.
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Gravata de Cancellier
Para a posse em Brasília, Ricardo Galvão usou uma gravata que pertenceu ao guarda-roupa do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo.
Foi uma homenagem ao reitor que, afastado em 2017, chegou a ser preso e, diante de grande pressão emocional, acabou cometendo suicídio, em 2 de outubro do mesmo ano.
Somente sete anos depois de sua morte, em 3 de fevereiro deste ano, Cancellier foi absolvido de todas as acusações de corrupção que pesavam contra ele.
O caso de Olivo se insere no clima de “destruição de reputações” moldado a partir do modelo da Operação Lava Jato, com “perseguição judicial acadêmica”.
A história dessa gravata tem um bastidor revelado por Galvão em sua página no Instagram. Recebeu o acessório de herança do irmão de Luiz Carlos, Acioli Olivo, matemático com mestrado em Computação Aplicada, seu colega e pesquisador aposentado do INPE.
Acioli, que também teve atuação importante no enfrentamento do negacionismo que cercou o INPE durante o governo Bolsonaro, encabeçou a luta pela preservação da imagem do irmão.
A gravata italiana teria sido comprada às pressas em Nova York por um assessor de Luiz Carlos, que queria ver o reitor mais aprumado para um discurso que faria na ONU.