
A lenda da “Loira do Banheiro”, um clássico do folclore adolescente que assombra escolas por todo o Brasil, tem uma origem surpreendente e historicamente documentada. Longe de ser apenas um conto de susto, a figura fantasmagórica está intrinsecamente ligada à trágica vida de uma jovem da alta sociedade do século XIX, Maria Augusta de Oliveira Borges, na cidade de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba.
A história começa com Maria Augusta de Oliveira Borges, nascida em 1865 (ou 31 de dezembro de 1864, segundo relatos), filha de Francisco de Assis Oliveira Borges, o influente Visconde de Guaratinguetá, um poderoso nobre da Corte Imperial Brasileira.
Aos 14 anos, Maria Augusta teve seu casamento arranjado, um costume da época. O pretendente, encontrado pelo Conde D’eu, marido da Princesa Isabel, era o Conselheiro Dutra Rodrigues (também referido como Conselheiro Dutra), um importante jurista 21 anos mais velho que ela, que viria a ser Presidente da Província de São Paulo.
A jovem, infeliz e rebelde com o destino imposto, tomou uma atitude drástica após a morte de seu pai, o Visconde. Na cabeça de Maria Augusta, sua obrigação em se manter casada morrera com ele. Aos 18 anos, em 1884, ela fugiu do Brasil para a França, onde viveu um período de liberdade e luxo, frequentando a alta sociedade europeia.
Maria Augusta retornou ao Brasil no início da década de 1890 para viabilizar o seu desquite e, concluído o objetivo, voltou imediatamente para a Europa. Contudo, seu retorno teve um trágico capítulo. Maria Augusta faleceu em Paris, no ano de 1891, aos 26 anos.
As circunstâncias de sua morte são um ponto de convergência nas narrativas. A versão mais popular aponta que ela teria contraído raiva, uma doença comum nas grandes cidades da Belle Époque.
Com a morte da filha, sua mãe, Ana Silvéria (também referida como Amélia Augusta Cazal), que já era viúva pela segunda vez, mandou embalsamar o corpo e enviá-lo para o Brasil. O corpo de Maria Augusta foi levado para a casa da família em Guaratinguetá e, antes do sepultamento, foi mantido em uma urna de vidro no antigo quarto da filha, para visitação pública. A mãe relutava em enterrar a filha, mas após um longo período, teria recebido um pedido em sonho para que Maria Augusta fosse sepultada. Ela foi enterrada no cemitério municipal de Guaratinguetá.
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A escola que a lenda começou
O elo entre a trágica história de Maria Augusta e a lenda da “Loira do Banheiro” se estabelece quando a antiga mansão do Visconde de Guaratinguetá foi transformada na Escola Estadual Conselheiro Rodrigues Alves em 1902.
“A lenda conta, que alunos que tentavam burlar uma aula, se esconderam em um ambiente que não era utilizado na ocasião. E justamente, aquele era o antigo aposento de Maria Augusta. No ambiente, enquanto “matavam aula”, os jovens, do nada, ouviram o antigo piano de Maria Augusta tocando sozinho, mesmo com a tampa de madeira sobre as teclas trancadas. É claro que os dois jovens saíram correndo, precisando dar satisfação de sua pequena incivilidade, ao mesmo tempo que relatavam a experiência sobrenatural vivida.” Conta o professor e historiador David Albuquerque.
O evento oculto ganhou a atenção da escola, gerando temor entre alunos e funcionários. A situação se agravou em uma reunião da Direção Pedagógica que discutia justamente sobre como contornar o “mal-estar” coletivo, quando o lustre da sala caiu sobre a mesa, o que gerou ainda mais certezas sobre a ação de forças ocultas. A história se consolidou em 1916, quando um incêndio misterioso atingiu parte do prédio da escola, um evento que muitos atribuíram à fúria do espírito.
A relação da lenda com o banheiro escolar está ligada à ideia da água e da hidrofobia. Um dos vários rituais de evocação, envolve jogar uma mecha de cabelo loiro no vaso, dar 3 descargas, falar 3 palavrões e chutar o vaso, teria o objetivo de irritar a entidade.
“No imaginário popular brasileiro, a lenda da Loira do Banheiro é um clássico do terror adolescente, uma figura fantasmagórica que assombra banheiros de escolas e surge após um ritual de invocação que pode envolver desde descargas, palavrões, fazer algo três vezes e usar espelhos. Contudo, a versão mais fascinante e historicamente documentada dessa lenda tem um berço no Vale do Paraíba, na cidade de Guaratinguetá.” Completa David.
Assim, a lenda que habita o imaginário adolescente tem, em sua raiz, a história de amargura e insatisfação de Maria Augusta, uma jovem que buscou a liberdade e encontrou um fim trágico na Europa, mas cujo espírito, segundo o folclore, encontrou um novo palco em sua antiga casa.