A Associação Paulista de Supermercados (APAS) afirmou em declaração exclusiva ao Portal Spriomais, que está em Brasília articulando mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para permitir contratações mais flexíveis, como o modelo horista, no setor supermercadista. A iniciativa é apresentada como uma resposta ao que a associação diz ser o atual comportamento dos jovens, que, segundo a entidade, buscam experiências de trabalho menos rígidas.
“Hoje o jovem não quer estar tão engessado com o trabalho, inclusive com relação ao horário, com uma CLT nas ofertas. Ele quer trabalhar por horas, escolher se vai trabalhar numa sexta-tarde ou no sábado”, afirma Eduardo Ariel Grunewald, diretor de Serviços aos Supermercados da APAS. Ele explica que a proposta pretende tornar o emprego no setor mais competitivo frente a outras formas de renda, como aplicativos de transporte, entregas e serviços de ‘última milha’.
Grunewald enfatiza que a demanda não parte apenas das empresas: “Não é uma vontade do supermercado, é uma vontade do jovem, é uma vontade dessa geração que busca mais flexibilidade”. Segundo ele, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados), que lidera a articulação em Brasília, já dialoga com o Congresso para viabilizar as mudanças.
Apesar da narrativa de “modernização”, o movimento desperta preocupações entre especialistas em relações trabalhistas. A advogada Stefannie dos Santos Ramos, especialista em Direito Trabalhista Empresarial, alerta que a proposta merece análise cuidadosa, já que “embora a flexibilidade seja uma demanda real de parte do mercado, é fundamental garantir que não comprometa os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e na CLT”.
Ela lembra que a própria CLT já prevê mecanismos de flexibilização que não eliminam direitos, como o regime de tempo parcial (art. 58-A), o acordo de jornada 12×36 (art. 59-A), a compensação de horas (art. 59), o banco de horas (art. 59, §2º) e até acordos individuais para teletrabalho (art. 75-C).
Na visão da especialista, um modelo de contratação horista pode trazer impactos negativos: “pode aumentar a rotatividade da mão de obra, reduzir drasticamente a oferta salarial e afetar o cálculo de verbas rescisórias e de benefícios”. Entre as garantias que correm mais risco de enfraquecimento estão férias, 13º salário e FGTS, já que, segundo ela, “os depósitos são efetuados sobre remuneração variável, o que dificulta o controle e pode gerar prejuízos”.
Stefannie também ressalta que o discurso de atender à vontade dos jovens pode, na verdade ter outra motivação: “É tecnicamente possível que o argumento da modernização mascare redução do custeio de direitos trabalhistas. A maior preocupação com essa flexibilidade desmedida é a rotatividade da mão de obra, a falta de qualificação prática na atividade e a diminuição da oferta”.
Por outro lado, a advogada lembra que a flexibilidade é possível dentro das regras atuais da CLT: “É possível flexibilizar jornadas aos funcionários que possuírem necessidades específicas. A CLT dispõe sobre a contratação em tempo parcial, jornada flexível com compensação e a categoria empresarial pode buscar uma discussão coletiva para abranger suas especificidades”.
Para implementar legalmente um modelo horista, Stefannie avalia que seria necessário alterar direitos mínimos dos trabalhadores e revisar a forma de cálculo de benefícios, como 13º, férias e FGTS, além de regras relacionadas a exposições de risco.
Com 25% da força de trabalho dos supermercados formada por jovens entre 18 e 24 anos, o setor é historicamente uma porta de entrada para quem busca o primeiro emprego. A mudança nas regras, se aprovada, pode redefinir não apenas a forma de contratação, mas também as condições de trabalho dessa nova geração.