
Não lembro se era tarde ou noite. O que não se apaga em minha memória é a imagem de Claudia Cardinale chegando à FAAP, em outubro de 2012, convidada da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Na época, secretário de cultura de Caçapava, e indicado como membro do júri do prêmio Governador do Estado, que agraciou Renata de Almeida, recém-viúva, como um estímulo a continuar o legado de Leon Cakoff, fui levado até ela por Rubens Ewald Filho, que me chamara para aquele momento como quem oferece um presente que se guarda para sempre.
De perto, a primeira impressão era a de uma beleza ainda intacta, mesmo septuagenária, mas o que mais me marcou foi a serenidade. Claudia falava com voz grave, firme, e irradiava uma elegância que não vinha apenas da aparência, mas da consciência de quem atravessara a história do cinema sem nunca se deixar moldar pelas conveniências.
Era a mesma mulher que se tornou imortal em “O Leopardo”, de Visconti; que deixou sua marca em “8½,” de Fellini; que foi musa de Sergio Leone em “Era uma Vez no Oeste”.
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Uma atriz que nunca aceitou se transformar em caricatura de si mesma, recusando os rituais fáceis de Hollywood e permanecendo fiel à sua própria verdade. Naquele encontro, percebi que sua grandeza vinha tanto das recusas quanto das escolhas.
Ela falou de sua origem tunisiana, das voltas do destino que a levaram ao cinema, da juventude que a colocou diante das câmeras quase por acaso. E lembrava, com simplicidade, que preferia envelhecer sem disfarces. Não havia em Claudia a busca pela juventude cosmética ou cirúrgica, mas a aceitação da vida como obra maior, algo que a tornava ainda mais fascinante.
Hoje, ao saber de sua morte aos 87 anos, volto àquela lembrança com reverência. Claudia Cardinale é símbolo de um tempo em que o cinema europeu deu ao mundo suas mulheres mais intensas e inesquecíveis.
E eu guardo comigo a memória de tê-la visto de perto, naquela Mostra, já sem Cakoff, e por um momento, para mim, o cinema inteiro coube em seu sorriso.
Sobre o autor: Fabrício Correia é crítico de cinema, escritor, jornalista e produtor cultural. Foi diretor regional do Sindicato Nacional da Industrica Cinematográfica Brasileira, gestão Dudu Continentino e fundador da Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira. Integra a União Brasileira de Escritores e a Academia Brasileira de Cinema.