Na pressa da manhã, quase ninguém pensa no que está escondido dentro de uma xícara de café. Mas estudos brasileiros mostram que cada 125 ml servidos consomem, ao longo de toda a cadeia produtiva, entre 120 e 140 litros de água.
É a chamada água invisível, o recurso natural usado para cultivar, processar e transportar aquilo que chega à nossa mesa.
Quando ampliamos esse olhar, para a indústria têxtil o impacto fica ainda mais evidente. Uma única calça jeans pode consumir entre 3500 e 5200 litros de água. Apenas multiplique esses litros ocultos por milhões de xícaras e jeans consumidas todos os dias e começamos a entender o tamanho do desafio que temos diante de nós.
O paradoxo brasileiro
O Brasil é muitas vezes chamado de “caixa d’água do mundo” uma metáfora popularizada por pesquisadores e órgãos ambientais porque o país concentra cerca de 12% de toda a água doce superficial do planeta, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA) e a FAO.
Mas essa abundância convive com uma dura realidade, já são mais de 114 mil quilômetros de rios poluídos no território nacional, segundo a ANA. É quase três vezes a circunferência da Terra em trechos de água comprometida por esgoto e resíduos.
E enquanto isso, a demanda não para de crescer. Só o estado de São Paulo consome quase 9 bilhões de litros de água por dia para abastecer famílias, indústrias e lavouras. Quanto mais poluídos os rios, maior o custo de tratamento, maior a pressão sobre os sistemas de saneamento e maior o risco de faltar água no futuro.
A conta não é só ambiental
Água de má qualidade significa também economia mais cara e saúde mais frágil. A OMS estima que 80% das doenças em países em desenvolvimento estão ligadas à água contaminada. No Brasil, já vemos surtos de diarreia, hepatite A e leptospirose em locais onde a qualidade hídrica é crítica.
Além disso, a falta de água limpa pode travar a produção agrícola, elevar preços de alimentos e encarecer a energia. Portanto, o problema não fica só nos mananciais, ele bate direto no bolso e na mesa da população.
Onde entra o ESG
É aqui que entra a lógica do ESG. Empresas, governos e cidadãos não podem mais tratar a água como se fosse um recurso infinito. Precisamos de práticas que valorizem cada litro.
Isso passa pelo reuso e pela economia circular, transformando o que hoje chamamos de esgoto em insumo e devolvendo água limpa aos rios. Exige também o investimento em tecnologias inovadoras, capazes de regenerar milhões de litros que antes seriam descartados, como soluções de bioengenharia e sistemas avançados de tratamento.
Além disso, é necessária uma mudança cultural: consumidores mais atentos às suas escolhas, entendendo que até o café da manhã pode carregar litros de água invisível. E, por fim, tudo isso só se sustenta com uma governança sólida, traduzida em políticas públicas consistentes e fiscalização rigorosa, que deem prioridade absoluta ao uso inteligente da água.
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O futuro: crédito hídrico
Sem querer transformar o tema em uma narrativa, a solução pode estar no crédito hídrico. Assim como já acontece com os créditos de carbono, quem recupera, economiza ou devolve água limpa ao sistema poderia gerar créditos negociáveis.
Empresas e governos que pressionam mais os recursos poderiam compensar seus impactos comprando esses créditos, criando um círculo virtuoso, premiar quem preserva, cobrar de quem desperdiça.
O crédito hídrico pode se tornar um instrumento poderoso para financiar tecnologias, incentivar boas práticas e reduzir desigualdades no acesso à água.
A cada xícara de café ou peça de roupa, lembramos que a água é o elo invisível que conecta agricultura, indústria, saúde e bem-estar. Se transformarmos consciência em ação, o Brasil pode se tornar referência mundial na preservação dos serviços ecossistêmicos hídricos garantindo segurança e saúde da água, sustentando a produção de alimentos e protegendo a vida das próximas gerações.
Mais do que isso, ao colocar a água no centro da agenda, impulsionaremos a transição econômica necessária frente aos desafios das mudanças climáticas, construindo um futuro mais resiliente e regenerativo.
Fontes: Agência Nacional de Águas (ANA), SESCRio, Instituto Água Sustentável, Climatempo, Water Footprint Network, FAO, OMS.