O inverno na Ucrânia é escuro — longo e escuro. Os dias são curtos. A luz do dia vem lá pelas oito da manhã e fica pouquinho, só até umas quatro da tarde.
Nas últimas semanas tem feito frio em Kyiv, tem estado úmido. O sol só dá as caras por trás de um cobertor de nuvens e de espessa névoa. A temperatura nesses dias vai de -3°C a 5°C. “Os invernos não são mais rigorosos como eram antes”, dizem aqui. Pode ser, mas esse já basta para gelar as orelhas.
Na verdade, seria melhor se o inverno fosse um pouco mais consistentemente frio. Os invernos mais desanimados são quando a temperatura flutua constantemente acima e abaixo de zero: primeiro neva, depois a neve derrete e são poças d’água suja por toda a parte; depois, congela de novo, deixando as estradas mais escorregadias e perigosas. Dirigir com pneu de inverno é obrigatório, mas assim mesmo a taxa de acidentes de trânsito dispara neste período. E em Kyiv, que tem um dos trânsitos mais congestionados do mundo, a situação com os acidentes piora ainda mais por conta dos apagões.
Inverno na Ucrânia (Créditos: Reprodução/Vatican News)
Imagine só: Vamos descendo Velyka Vasylkivska, uma avenida de cinco mãos que conecta três distritos importantes da capital. São cinco da tarde — começo do horário de pico —, mas já está escuro. E não há iluminação de rua, porque o apagão programado acaba de chegar a esta zona da cidade. E, claro, os semáforos não funcionam. Nas intersecções, o trânsito é um tanto caótico, com carros virando para cá e para lá, às vezes bloqueando o movimento principal da avenida. Aqui já vemos uma colisão lateral bem no meio da avenida, onde alguém provavelmente cansou de esperar que lhe dessem passagem, pisou no acelerador e… bam. Quinhentos metros mais para a frente, outro acidente. E isso em uma só avenida.
Como se isso tudo não bastasse, temos também os frequentes ataques aéreos, que inclusive são os responsáveis pelos apagões. A Rússia intensificou a quantidade de drones que voam contra alvos ucranianos vários dias por semana, e embora o grosso dos ataques seja de noite, temos inúmeros alertas durante o dia também. Durante os alertas, os escritórios governamentais não ficam abertos para o público. O metrô não passa pela ponte sobre o Dnipro, conectando as margens direita e esquerda da cidade. Os ônibus param. Os shoppings fecham as portas e evacuam uma multidão de rostos insatisfeitos para o térreo. Nos McDonald’s, os funcionários fecham as portas e distribuem sacolas de papel para os fregueses que não terminaram seu fast food rápido o suficiente, pedindo que saiam. Se você estava a ponto de fazer seu pedido, prepare-se para aguentar a fome um pouco mais.
Complicado. Mas, dadas as circunstâncias, tudo funciona com uma regularidade de impressionar. A essa altura da guerra, a população adquiriu uma resiliência enorme e encontrou formas de contornar os problemas de sempre.
A falta de eletricidade quer dizer que todo o mundo já possui power banks, carregadores portáteis para celulares ou até notebooks. Para quem quer se garantir por mais tempo, as baterias portáteis tipo EcoFlow vendem como água — as menores são suficientes para alimentar um computador por várias horas; as maiores mantêm geladeiras e outros eletrodomésticos funcionando. E nos comércios, os geradores a diesel ou gasolina já começam a funcionar assim que a luz cai, mantendo as luzes acesas e os clientes, satisfeitos. Quando ouvimos o ronco dos geradores, já sabemos que estamos chegando a uma área da cidade sem luz.
A falta d’água (para quem mora nos andares mais altos dos prédios, onde sem eletricidade não funciona a bomba pressurizadora) quer dizer que todos se acostumam a aproveitar a água enquanto dura, a estocar galões de água, cozinhar e tomar banho nos horários em que, de acordo com o esquema compartilhado pela administração da cidade (mas que nem sempre funciona), haverá energia no seu bairro.
O aquecimento, que é a gás, é menos afetado por enquanto. Mas quando não há, não é um problema terrível. Os edifícios ucranianos costumam ter ótima calafetação e são mantidos hermeticamente fechados no inverno. Especialmente com as gerações mais sêniores, é real o pavor das correntes de ar — os temidos skvozniaki —, e certos ambientes internos vão ficando quentes e abafados, como sabe todo mundo que já teve que entrar em um escritório governamental estilo soviético.
No geral, os kyivanos se adaptaram extraordinariamente bem a condições que derrubariam uma cidade menos preparada.
O maior problema para os civis pode já não ser material, e sim mental. Temos as más notícias do fronte, o alistamento de conhecidos ou familiares, os constantes bombardeios, a incerteza sobre o futuro, a falta de perspectiva, o medo do recrutamento. Ansiedade, estresse, depressão — a aliança funesta dá as caras por toda a parte após já quase três anos de guerra, e é certo que o mercado de antidepressivos não está em risco de colapso no país.
Mas também aqui os ucranianos encontram formas de lidar com as dificuldades. O voluntariado é uma delas — por toda a parte, grupos são formados para as tarefas mais diversas imagináveis: civis preparam redes de camuflagem para veículos militares, fogareiros para manter os soldados aquecidos nas frias trincheiras, kits de primeiros socorros para combate e, para os mais habilidosos com as mãos, até a montagem de pequenos drones, essenciais para o reconhecimento e combate no fronte. E nas redes sociais, todos angariam doações para adquirir equipamentos para amigos e conhecidos que lutam no fronte. Mais da metade de todos os stories no Instagram postados por ucranianos são dedicados ao esforço de guerra.
O sentido à vida nestas condições vários encontram na religião, na prece. Mas igualmente comum é nos depararmos com um certo fatalismo misturado com um epicurismo “carpe diem” — aproveite a vida que tem enquanto dura. Alguns dias atrás, um amigo me contou que finalmente achou a coragem para chamar uma menina para sair e que agora estão namorando. “A melhor experiência da minha vida”. Forçado a fugir de Donetsk, a maior cidade ocupada pelos russos desde 2014, ele completa 25 anos ano que vem e confronta a possibilidade de ter de participar da guerra, dado que 25 é a idade mínima de mobilização. Com essa perspectiva pesando na mente, a atitude da pessoa muda. No caso dele, é simples a solução: tentar viver cada dia como se fosse o último, apreciando os bons momentos e as pessoas queridas.
Outro amigo, que até pouco tempo atrás trabalhava em TI, decidiu finalmente se alistar depois de meses de reflexão e preparação. A atitude é fatalista, misturada com medo, mas determinada: “Concluí que é meu dever. Espero que dê para sair vivo disso tudo.”
No geral, estoicismo e humor ácido são a ordem do dia, equivalente ucraniano do stiff upper lip britânico. E assim como os ingleses durante os bombardeios de Londres na Segunda Guerra Mundial, os ucranianos acham formas de se distrair mesmo em meio a blecautes e ataques aéreos. Nos cafés e bares das regiões centrais e históricas da capital, como o Podil, reina uma vivacidade surpreendente para tempos de guerra. Em meio a um ataque aéreo, na manhã de um domingo duas semanas atrás, uma amiga me escreve convidando para ir com outros amigos a um concerto de música tradicional ucraniana. Mais tarde, explica que no momento estava no abrigo aéreo e que “planejar eventos com amigos é o que eu faço quando me sinto ansiosa”.
Há quem critique aqueles que parecem “só curtir a vida” enquanto soldados resistem à invasão das hordas russas no fronte. Mas cada festa, cada concerto, cada evento é usado como oportunidade para arrecadar fundos para diferentes divisões, comprando drones para uma aqui, picapes e geradores para outra ali. O esforço de guerra está presente por toda a parte. E vale lembrar, também, que guerra alguma foi vencida com desânimo e choro. A aparente alegria nos bares da capital, além de bem temporária, é fundamental para manter a vida civil em movimento e trazer algum ânimo em meio à adversidade. Afinal, o melhor exército nada é sem a população civil que o sustenta e encoraja — e os ucranianos bem sabem disso.
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