25 de janeiro de 2025
São José dos Campos 23° C
Tempestades
Dollar R$ 5,915
25/01
SJC 23° C
R$ 5,915


Categoria: Destaque, Especiais

Made in Sanja: O corre deste fisioterapeuta garante os piques que levam o time à vitória

Parte da conquista da Libertadores pelo Fluminense, o fisioterapeuta Roberto Tupinambá teve carreira e vida marcados por São José dos Campos, onde viveu a dor da perda, viu o enraizar de sua família e desenvolveu a humanidade compartilhada pelo treinador Fernando Diniz

Redação spriomais • Publicado em 23/03/2024, às 18:00 • Atualizado em 24/03/24, às 10:46

Foi uma tarde gostosa de calor no Rio de Janeiro. O clima foi amigo até a noite pingar e com ela vir o gol de empate do Boca Juniors, no fim do segundo tempo. Mas a tensão da torcida do Fluminense durou pouco no Maracanã e a aflição deu lugar à certeza do coro cantado por mais de 180 minutos na final: “Chegou a hora, vamos ganhar a Libertadores”.

Era 4 de novembro de 2023. Tio e sobrinho, Rodrigo e Pedro Henrique estavam nas arquibancadas, naquele bolo de gente vestida de verde, branco e grená, entre suor e choro, para empurrar o time carioca. A vitória foi deliciosa. Mágica. Em família! A conquista da América para os dois era um sonho. Mas a realização mesmo foi ver Roberto Tupinambá (irmão gêmeo de Rodrigo e pai de Pedro) tão feliz.

No apagar das luzes na prorrogação, aos 32 minutos, um momento que certamente muitos tricolores recordarão será o pique do zagueiro e capitão Nino – uma corrida determinada, quase uma marcha, da área de defesa até o meio-campo para disputar a bola que sobrava com os argentinos. O placar já marcava o 2 a 1 da vitória.

Uma entrega assim, no fim da energia, demonstra o porquê do nirvana no futebol ser um estado tão entrelaçado à gana e à paixão. Roberto sentiu orgulho do zagueiro como ninguém. Fisioterapeuta do Flu, admirado da arquibancada pelo gêmeo e pelo filho, foi um dos que fez aquela corrida do capitão ser possível (veja o lance e o apito final abaixo).

 

Em um clube profissional de futebol, especialmente na elite, há um staff que corresponde à seriedade com que o esporte é levado. A equação entre o número de jogadores e os profissionais que dão todo o suporte para que eles estejam em campo geralmente é desequilibrada.

É muita gente envolvida, desde massagistas e roupeiros até nutricionistas. Esses personagens, sem nome e número atrás da camisa, também fazem a bola rolar. Também suam e sofrem. Também ganham títulos.

Aquela final coroou um trabalho de anos de toda a fisioterapia do Fluminense. O mais recente e crucial deles feito com Nino nos dias que antecederam o jogo. Roberto teve influência direta no tratamento da entorse no joelho esquerdo que o defensor sofreu em 14 de outubro, há poucos dias da grande decisão.

roberto tupinambá comemorando abraçado ao zagueiro nino após a conquista da américa

O abraço dos campeões Roberto e Nino; uma vitória da fisioterapia foi ter o zagueiro com tanto vigor físico na final pouco tempo após lesão (Foto: Fluminense FC)

Todas as dúvidas que se voltavam no exterior do clube para a condição física do jogador e sua presença na decisão eram dissolvidas internamente em dez horas de fisioterapia diárias até a partida.

Nino se machucou enquanto treinava concentrado com a Seleção Brasileira. Os médicos do Brasil estipulavam que o jogador só pudesse voltar a jogar após quatro ou cinco semanas. Em dez dias no Fluminense ele já estava treinando em campo e com 20 fez o jogo da sua vida.

Roberto e os outros fisioterapeutas do clube trabalharam duro para que não apenas o capitão, mas todo o elenco do treinador Fernando Diniz estivesse disponível para a final. E tudo começou lá atrás.

“Não foi um trabalho de meses, foi um trabalho de anos com a mesma comissão técnica. Com a diretoria em cima para resolver os pequenos problemas do dia a dia no futebol e foco total nessa competição. A logística da preparação depois de ter classificado contra o Inter [semifinal] foi fundamental para que o Diniz pudesse ter todo o elenco à disposição. Você controlou a carga de treinamentos, controlou o jogador na questão de dano muscular. Na questão mental, o psicólogo foi super importante”, contou.

O Fluminense

“Os planos de Deus são perfeitos”. Roberto descreve assim o momento em que o Fluminense lhe abre as portas. O cupido dessa relação tão bonita foi o doutor José Luiz Runco, chefe do departamento médico no rival Flamengo. Veio dele a indicação no fim de 2009 para o amigo Michael Simoni, chefe do departamento médico tricolor, que optou pela nova contratação.

A trajetória de Roberto no Fluminense pode ser dividida em dois momentos, em dois locais: as Laranjeiras, sede oficial do clube, e o novo Centro de Treinamento Carlos Castilho.

Até 2015, os trabalhos eram concentrados no complexo em que reside o centenário Estádio das Laranjeiras. Treinamentos, preparação, fisioterapia, o dia a dia do Fluminense e de Roberto era ali.

Pela idade da construção, a estrutura era longe da ideal e pedia um retoque. Mesmo assim o período em que trabalhou lá foi vitorioso. Foram dois Campeonatos Brasileiros conquistados, além de uma Taça Guanabara e um Campeonato Carioca.

“Em 2016 fomos para o CT Carlos Castilho e demos um salto de qualidade enorme. Não é só isso que ganha jogo, mas melhora a condição do atleta de performar”.

O novo Centro de Treinamento foi um divisor de águas no quesito infraestrutura para o futebol. Não foi um fator decisivo, mas um dos que levou ao título da América.

Outro com certeza foi a evolução da fisioterapia, liderada por Nilton Petroni, o Filé. O trabalho desenvolvido pelo clube no tratamento e cuidado na parte física dos jogadores hoje é reconhecido internacionalmente.

No ano passado, a equipe de fisioterapia do clube publicou um artigo no “International Journal of Development Research” sobre uma metodologia própria de recuperação mais rápida de lesão. O protocolo elaborado internamente ajuda na prevenção de lesões, reduz em até 80% o tempo de recuperação pós-jogo e atua especialmente na cura de lesões.

“A fisioterapia do Fluminense hoje é mais clínica. Você melhora o quadro de dor, repara o tecido lesionado, tem os parâmetros todos concluídos de dor e função muscular, e libera para a transição, feita por um preparador físico. Isso dá uma autonomia para o fisio de ser um fisioterapeuta clínico”.

equipe de fisioterapia do fluminense

Roberto e seus colegas da fisioterapia no Fluminense em 2023 (Foto: Marcelo Gonçalves/Fluminense FC)

Por Seu Ronaldo

Roberto já soma 13 anos de Fluminense. Começou a trabalhar no clube em 2010. Na estreia, uma partida de Carioca contra o Bangu no Maracanã. De lá para cá só esteve fora do time em 2015, quando atuou no Tianjin Teda, da China, então um grupo que lutava para não cair.

Aquele foi um tempo de auge do futebol chinês, dominado por grandes empresas – as donas dos clubes – que seduziam especialmente astros em fim de carreira e jovens promissores com muita grana. Era uma meta do presidente Xi Jinping estimular artificialmente o esporte no país.

A bagagem que o levou Roberto à final da Libertadores, porém, também tem São José dos Campos na etiqueta. Ele nasceu no Rio de Janeiro, mas se mudou com a família ainda adolescente para o Vale do Paraíba. Sob o novo teto, morava a fé no tratamento de um aneurisma cerebral que seu pai sofreu aos 43 anos.

O primeiro período na cidade que até hoje acolhe boa parte da família Tupinambá não foi fácil. Quando chegaram à São José em 1991 eram em seis: a mãe, Maria Teresa; o pai, Ronaldo; e os irmãos Ronaldo, Rogério e Rodrigo, gêmeo de Roberto.

família tupinambá

Família Tupinambá anos antes da mudança para São José, em 1987 (Foto: Arquivo pessoal)

Dois anos depois passaram a ser cinco no sofá, a mãe mais a prole. Apesar das dificuldades do tratamento, os últimos momentos com Seu Ronaldo foram bonitos. Roberto se encantava com o cuidado que o pai recebia como paciente.

“Foi uma história de amor. Meu pai adoeceu, operou e ficou por dois anos precisando de apoio. Toda vez que ele ia para a fisioterapia um de nós [irmãos] acompanhava, a gente era pequeno. Quando era a minha vez eu ia. Às vezes era a vez do Rodrigo… ‘Ah, não quero ir, não. Quem quer ir?’, e eu ia sempre”.

“Descobri ali. Com ele sendo paciente, vendo o que os fisioterapeutas faziam para a melhora dele. Essa condição de ajudar o próximo como eles estavam ajudando meu pai despertou em mim um amor à profissão”, diz repleto de emoção.

Começo no rival rubro-negro

Roberto decidiu voltar ao Rio para começar o próprio caminho na fisioterapia. Curioso é que durante a faculdade seu primeiro trabalho com o futebol foi no rival Flamengo. A oportunidade surgiu após chamado do doutor José Luiz Runco, histórico médico do rubro-negro e dono da clínica em que Roberto fez seu primeiro estágio.

“Ele precisou de um estagiário para o futebol profissional. A minha coordenadora, Patrícia Abreu, me indicou e falou ‘ó, o rapaz tá pronto”. Aí era para eu ficar seis meses e fiquei dois anos.”

Na Gávea, tinha status de iniciante mas fazia bastante do que faz um fisioterapeuta esportivo com experiência, sempre supervisionado; atuava nos jogos, praticava mobilização articular e especialmente eletroterapia – as técnicas são usadas para aliviar dores, estimular os músculos e basicamente ajudar o físico dos jogadores a suportar o calendário intenso.

Enquanto esteve no Flamengo, Roberto trabalhou com craques como o goleiro Júlio Cesar, o zagueiro Juan, Gamarra, Edilson Capetinha e Petkovic. Era esse o ambiente que queria frequentar.

“Tudo o que eu fazia na fisioterapia estava envolvida a questão do esporte. Cursos, pós-graduações, principalmente a traumato-ortopedia esportiva”.

O impeachment do ex-presidente do Flamengo, Edmundo Santos Silva, em 2002 levou o clube a um momento político conturbado. Como em qualquer ambiente de trabalho com hierarquias, as demissões são uma forma de aliviar a tensão da forca. Claro que o jovem estagiário de fisioterapia entrou na reta.

Uma vaga de Copa e o Primeira Camisa, um projeto de humanidade

A saída do Flamengo trouxe Roberto de volta a São José. Em seu recomeço na cidade deu cursos, realizou palestras em universidades e fez um trabalho em clínica.

Poucos anos depois, em 2005, uma grande oportunidade surgiu: tratar o lateral Gilberto, com uma lesão grave no tornozelo enquanto atuava pelo Hertha Berlim (Alemanha). O defensor sonhava com a convocação para a Copa do Mundo no ano seguinte e apostou no fisioterapeuta.

“Foram três ou quatro meses de trabalho, acabou ele indo para a Copa sendo reserva do Roberto Carlos. Graças a Deus ele voltou e conseguiu jogar, porque a gente discutia quase todo dia com os fisioterapeutas lá na Alemanha que não deixavam deixavam fazer uma cama-elástica, não deixavam fortalecimento e a gente já via que ele podia. A sorte é que lá no clube ele trabalhava só um período [de manhã], e à tarde ele trabalhava comigo”.

lateral esquerdo gilberto abraçado a roberto tupinambá na alemanha

Gilberto e Roberto na Alemanha durante os preparativos para a Copa de 2006 (Foto: Arquivo pessoal)

Roberto foi da Alemanha direto para um projeto ambicioso. A proposta era fazer parte da fisioterapia de uma escolinha de futebol que havia acabado de fechar parceria para integrar as categorias de base do São José, o Primeira Camisa. O idealizador de tudo foi o ex-jogador Roque Júnior, que provavelmente recebeu boas referências do fisioterapeuta pelo colega de Seleção Gilberto.

O trabalho era duro especialmente quando era tempo de Copinha, o principal torneio brasileiro nas categorias de base. Uma maratona de jogos. Partidas a cada dois dias e a recuperação para o adversário seguinte feita em tempo recorde.

“Em 2007 fizemos a melhor campanha de um time do Vale do Paraíba na Copa São Paulo. Perdemos para o Cruzeiro [nas quartas de final], que acabou sendo campeão. Eliminamos times importantes na época, lembro perfeitamente de Vasco e Coritiba”.

roberto tupinambá segurando taça pelo primeira camisa, em são josé

Primeira Camisa foi um trecho da vida de Roberto marcado pela humanidade no cuidado com os jovens atletas (Foto: Arquivo pessoal)

Ao contar sobre a passagem pelo Primeira Camisa, Roberto resgatou uma frase do filósofo Mário Sérgio Cortella, “Faça o teu melhor na condição que você tem, enquanto você não tem condições melhores para fazer melhor ainda”.

O futebol de base no interior de São Paulo trouxe uma realidade bastante distante da que encontrou na Europa. O fisioterapeuta de repente se viu aprendendo sobre as pessoas. O que pode ser o poder do futebol, ou deveria. Todos os dias concretizava que não há músculo mais sensível do que os sonhos de um garoto.

Parte do convívio com os atletas, mesmo na fisioterapia, era compreender o contexto de cada um. Quem eram suas bases. Entender que a vida com a bola no pé não era somente um desejo profissional. A maioria dos moleques entrava em campo esmagada pela pressão de mudar a própria trajetória e as de outras quatro, seis, dez pessoas.

“Era aprendizado. Além de formar jogador você molda o ser humano. É muito difícil ser jogador hoje, então tem que preparar o indivíduo para a vida”.

Bruno Alves, a quem o fisioterapeuta chama de Bochecha, foi um dos que passaram pelo Primeira Camisa naquela época. O zagueiro de Jacareí defende atualmente o Cuiabá e teve passagens marcantes por São Paulo e Grêmio. Quase uma exceção, já que são pouquíssimos os que alcançam o futebol profissional. Mas a missão ali era garantir que os que ficassem pelo caminho tivessem a cabeça e o coração no lugar.

Pensar primeiro na pessoa e depois no atleta foi algo que Roberto encontrou em Fernando Diniz. O treinador têm como guia de seu trabalho a extensão de sua alma aos jogadores. Trabalha o psicológico e o pessoal para que a técnica se desenvolva junto ao emocional.

A empatia é um sentimento presente na rotina do clube carioca como era no time joseense. Roberto fez fisioterapia porque ela ajudou seu pai. Não é necessariamente sobre salvação ou cura, mas sobre enxergar e cuidar do ser humano. E ainda que conquiste outra Libertadores, Mundial ou até Copa do Mundo, talvez não tenha título maior do que esse cuidado. Futebol não é fim, é meio.

[Disclaimer: o repórter é tricolor roxo!]

roberto tupinambá abraçado a fernado diniz comemorando a libertadores

Diniz e Roberto comemorando a Libertadores – a vitória dos jogadores e dos trabalhos físicos e psicológicos feitos dentro do Fluminense (Foto: Arquivo pessoal)

Acompanhe também: 

Instagram

Youtube

Facebook

Twitter

Spotify



Acompanhe nossas notícias de forma mais rápida em seu celular pelo Google News. Clique aqui e siga a spriomais.



Deixe seu comentário:
Os comentários não representam a opinião da spriomais. A responsabilidade é do autor da mensagem.
Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Publicidade















+ noticias

Cidades

Maré vermelha no canal São Sebastião-Ilhabela deixa Cetesb em alerta

Uma mancha vermelha foi identificada em alto mar no canal São Sebastião-Ilhabela e deixa a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado …

1 dia atrás
Cidades

Dívida de R$ 1,1 bilhão da Prefeitura de Taubaté compromete 40% do orçamento para 2025

A dívida da Prefeitura de Taubaté é de R$ 1,1 bilhão e irá comprometer em 40% o orçamento do município …

1 dia atrás
Esporte

Ex-Vitória é o novo reforço para o ataque do São José Esporte Clube

O São José Esporte Clube anunciou a chegada do atacante Lawan, de 19 anos, para reforçar a equipe na Série …

1 dia atrás
Cidades

São José aposta em drone para combater a dengue em áreas de difícil acesso

A Prefeitura de São José dos Campos passou a utilizar drones nesta semana para combater a dengue em locais de …

1 dia atrás
Esporte

São José Basketball vence o São Paulo e engata a quinta no NBB

O São José Basketball venceu o São Paulo, com um placar de 89 a 80, em um jogo realizado no …

1 dia atrás
Cidades

Revap bate recordes históricos na produção de querosene de aviação e asfalto

A Revap (Refinaria Henrique Lage) em São José dos Campos bateu recordes históricos na produção de combustível para aviação e …

1 dia atrás
Cidades

Casal tem casa inundada por esgoto no centro de Jacareí

Um casal teve a casa completamente inundada por esgoto na noite desta quarta-feira (22) no centro de Jacareí.
Andressa e Israel …

2 dias atrás
Cidades

Caçapava anuncia troca de empresa que opera transporte público na cidade

A Prefeitura de Caçapava anunciou na tarde desta quinta-feira (23) a mudança de empresa que opera os ônibus do transporte …

2 dias atrás
Cidades

Prefeitura de Aparecida é condenada a desocupar loteamento em área de preservação

A Justiça Federal condenou a Prefeitura de Aparecida a desocupar o loteamento Jardim Santo Afonso, às margens do Rio Paraíba …

2 dias atrás
Branded, Cidades

Lojas do Assaí em São José trazem preços mais baratos e serviços que melhoram a experiência dos clientes

São José dos Campos, uma das cidades mais dinâmicas do Vale do Paraíba, é reconhecida por sua força econômica, qualidade …

2 dias atrás
SPRIO SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO EIRELLI - spriomais 2025 © Todos os direitos reservados