Dionisio (2019): mundo de elipses
Pedro Luzi levou o neto de 10 anos para contemplar o Banhado, em São José dos Campos, em um dia muito especial: o rio Paraíba transbordara, transformando a marcante concha geológica em um grande lago, com águas lambendo a linha férrea. Havia ainda o eletrizante espetáculo do pôr do sol a promover o contorno da Serra da Mantiqueira. O avô queria que o menino testemunhasse “a beleza” que o fizera sair de Amparo para aceitar um emprego na Tecelagem Parayba. O menino era Evaldo Eras.
A curvatura desse Banhado, tão eloquente na paisagem de São José, nunca mais o deixou. Na verdade, as linhas dessa “orla” têm acompanhado a carreira de 25 anos do mosaicista Evaldo Eras, a maioria das vezes de maneira sutil e delicada, como se fossem leves “ossaturas” a sustentar toda sua obra. Os artistas George Gütlich, Ana Kothe da Cunha, Afrânio Fonseca e Pitiu Bomfin foram os primeiros a identificar no conjunto de mosaicos esse elemento comum, as curvas naturais. Na colagem consciente de cacos cerâmicos e pastilhas, na construção de obras ora abstratas, ora figurativas, não raramente a “elipse do Banhado” aflora sem, contudo, se prender à representação direta. Afinal, é arte, antes de documento. E não só essa elipse o inspira, mas também o traçado das trajetórias de cometas, as sinuosidades de rios e outros eventos naturais, a riqueza de formas do próprio corpo humano, o seio da mulher, linhas sempre à mão no imaginário, como diz o artista. Vez ou outra, estão ali as casinhas da zona rural, com quaresmeiras e ipês.
Apoena: na fachada da Biblioteca Municipal Cassiano Ricardo
Um dos trabalhos de mais visibilidade de Evaldo, que funciona quase como um cartão de visita, é Apoena, cravado na fachada da Biblioteca Municipal Cassiano Ricardo, na Rua XV de Novembro. Por essa rua da região central de São José dos Campos circulam diariamente centenas e centenas de pessoas e essa é justamente uma das possibilidades democráticas do mosaico, ao integrar-se de maneira direta à vida e à arquitetura.
A elipse está lá no moderno Apoena, elaborado com pastilhas de vidro, integrando-se desde 2004 à fachada do edifício concebido na primeira década do século passado. É mesmo um arranjo de tempo e arquitetura que estimula o olhar pelo contraste. Além de tudo, Apoena, que em tupi-guarani significa “aquele que enxerga longe”, está ali bem associado aos livros.
Há sim um registro mais explícito do Banhado, em obras homônimas de Evaldo, uma delas instalada na Secretaria Municipal de Apoio ao Cidadão, também em espaço público de São José dos Campos. Nesse mosaico, o artista dá profundidade ao cenário da cidade, ao “plantar” em primeiro plano um ipê branco, cujas flores são tampinhas de antigas queijeiras produzidas pela Cerâmica Weiss, uma das mais tradicionais indústrias da cidade, fundada em 1940 e que fechou as portas em1996.
Sim, os mosaicistas são geralmente colecionadores (até um pouco obsessivos) desses elementos que, quebrados, colados, agrupados sobre um desenho, acabam funcionando à semelhança de pixels numa imagem digital. Quando a fábrica de cerâmica foi fechada, um conjunto de peças foi descartado e serviu de rico material para os mosaicistas de plantão da Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR). As flores do ipê foram colhidas desse pseudo entulho industrial. E floresceram nos mosaicos de Evaldo, que faz questão de lembrar que o “mosaicista parte do caos; destrói para construir”.
Na obra Weiss dos anjos, Evaldo perpetuou uma história de amor familiar e de amor à própria Cerâmica Weiss, já que seu pai chegou a trabalhar por lá. Na barra desse mosaico estão cacos de um porta-joias de louça, pintado à mão, diria cacos viscerais, afetivos, presente do pai à sua mãe, quando estes ainda eram namorados.
Nações Indígenas: “mosaico antropológico”
Na composição de um mosaico podem entrar de cacos de azulejos cerâmicos a pedras e seixos, de fragmentos de louças às mais comportadas pastilhas de vidro, ousadas pastilhas naturais da casca de coco, conchas marinhas e até pedras semipreciosas. “As pastilhas de vidro italianas são as mais tradicionais”, diz Evaldo, lembrando que muitas vezes o material para a confecção de mosaicos acompanha a própria movimentação da paleta de cores da arquitetura. Em Nações Indígenas, que ouso aqui batizar de “mosaico antropológico”, Evaldo não se acanhou em colar pedaços de cerâmicas que sobraram de uma fornada da artista Mayy Koffler, peças de inspiração indígena. Em outra obra, colou sem cerimônia uma garrafa “derretida”.
Há milhares de anos, na tradição mesopotâmica, greco-romana e bizantina, os mosaicos se desenvolveram ao passo da própria evolução do corte de pedras, dos granitos e mármores, obras de grande refinamento que a Arqueologia não cansa de revelar.
Muitos séculos mais tarde, quando tudo parecia estar devidamente encaixado, organizado, apareceu Antoni Gaudi (1852-1926). O arquiteto catalão da monumental Igreja da Sagrada Família também foi o grande agente dos mosaicos em cacos que fizeram do Parc Güell, em Barcelona, um dos mais originais e coloridos arranjos arquitetônicos de todos os tempos. Fã incondicional de Gaudi, Evaldo diz que o arquiteto “foi determinante para o desenvolvimento do mosaico moderno” ao ampliar as possibilidades de criação e dar grande liberdade ao artista. “O mosaicista tem que ter coragem para ousar”, diz.
Segundo estudo pioneiro de Maria Beltrão, do Museu Nacional, a primeira experiência de arte musiva no Brasil se deu 50 anos antes das criações de Gaudi, pelas mãos da imperatriz Tereza Cristina (1822-1889), mulher de D. Pedro II. Ela recobriu bancos, fontes e paredes do Jardim das Princesas, no Palácio São Cristovão, no Rio, com conchas recolhidas na praia e cacos de louças do serviço de chá da família real. Esses mosaicos históricos, conta Evaldo, abandonados durante muito tempo, agora estão sendo recuperados.
Com paixão, Evaldo lembra também da importância das calçadas da orla do Rio para o desenvolvimento do pensamento sobre o mosaico brasileiro. Foram criadas por Burle Marx a partir da experiência dos calceteiros portugueses. Evaldo lista também trabalhos de Di Cavalcanti, Paulo Werneck e os de Tomie Othake, para citar alguns dos muitos artistas do mosaico no Brasil.
Sem Fronteiras (2019): coleção particular, Princeton, Nova Jersey (EUA)
Evaldo Eras encontrou o mosaico a partir de um workshop do artista Afrânio Fonseca, na Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), aprendizado estendido por um ano no atelier do mosaicista, em Campinas. Antes disso, já tinha vivenciado outras práticas artísticas. Estudou desenho e gravura com George Gütlich; pintura, com Luiz Beltrame, no espaço que o artista manteve por anos na Galeria Luiz Rachid; grafismo na pintura, com Carlos Clemem; e escultura, com Ivo Bay Muller. Quando Afrânio Fonseca mudou-se para Bruxelas, na Bélgica, onde vive até hoje, acabou indicando Evaldo para ser o professor de mosaico da FCCR. Estava em casa, já que havia começado ali, nos arranjos e cuidados das oficinas de artes da Fundação. Foi o início de uma grande especialização. Continua a dar aulas na FCCR e também na Fundação Cultural da vizinha Paraibuna. Diz entender perfeitamente a queda funcionalista das obras criadas por seus alunos, no cenário de valorização do rico artesanato brasileiro. No seu atelier, entretanto, o mosaico é arte muito além do ofício. Pesquisa a composição, ensaia cores, persegue revelos, profundidades e consegue expressão com colagens que são quadros-mosaicos. A qualidade de suas obras e seu engajamento o levaram ao Mosaico Paulista, entidade que promove a arte do mosaico no Estado de São Paulo, reunindo mosaicistas em projetos conjuntos que enfeitam a cena urbana.
Em 2015, quando começaram a procurar artistas interessados na restauração da Capela do Padre Rodolfo, na Vila Ema (hoje Museu Padre Rodolfo Komorék), Evaldo logo se apresentou. Sérgio Prata cuidou de dar vida aos vitrais, todos quebrados. Evaldo trataria de um painel para a parte superior da porta de entrada, em forma ogival. Evaldo encontrou uma “solução musiva” que acalmou os ânimos de fiéis, inquietos diante das obras. Reposicionar a série de azulejos do interior da capela, que formavam a imagem do padre Rodolfo, foi uma grande saída. Teve de correr para resgatá-los entre os escombros da caçamba de lixo, já que o pessoal da reforma os tinha simplesmente descartado. Os azulejos foram devidamente recuperados para servirem de motivo central do painel. A ceramista e artista Sílvia Vargas produziu flores de cerâmica em alta temperatura para a composição. Evaldo tratou de criar a aura de santidade do padre Rodolfo, com raios resplandecentes compostos de pastilhas de vidro com filamento de ouro. Os devotos adoraram.
Evaldo é autor de Angeluz, mosaico feito no altarmór da capela do Presídio Feminino de São José dos Campos, um anjo sem rosto, muito iluminado, e que deixa os frequentadores sempre emocionados. “É assim que a arte cumpre sua função: provocar, transformar”, diz Evaldo.
Relicário Padre Rodolfo (2015): mosaico com resgate de azulejos
Conheça uma seleção de trabalhos de Evaldo Eras na exposição virtual Caminhos, do Parque Vicentina Aranha. https://www.pqvicentinaaranha.org.br/programacao-detalhe/exposicao-virtual-caminhos-por-evaldo-eras/1655
Exposição Virtual “Caminhos por Evaldo Eras” – Mostra Parque Vicentina Aranha – artes visuais – São José dos Campos/SP – 2021, Painel coletivo realizado de forma virtual para o 9º Encontro Internacional de Mosaico – “Projeto Patchwork” – Fernanda Jaton – Buenos Aires/Argentina – 2020, Prêmio Trajetória Artística: Artes Visuais – Lei Aldir Blanc – Lei Federal nº 14.017 – 3º lugar – Evaldo Eras – Mosaicos – Pont. Média Total 98,12 – 2020, Prêmio Trajetória Artística: Orientador Artístico da área cultural – Lei Aldir Blanc – Lei Federal nº 14.017 – 9º lugar – Pont. Média Total 97,82 – 2020, 1ª Exposição Virtual Mosaico Paulista de 10 a 14 de julho 2020 – pelo Facebook e Instagram, obtendo 118.224 visualizações, 9.853 curtidas, 262 comentários, 564 compartilhamentos – São Paulo-SP – 2020; USINA 14 – EXPO_1807 – Galeria Ivonne Weis – UNIVAP – 2018, Exposição de Mosaico “Evaldo Eras – 40 anos fazendo Arte” – Fundação Cultural Benedicto Siqueira e Silva em parceria com Banco do Brasil S.A. – Paraibuna-SP – 2017, Semana do Design do Vale 2016 – DWalk – Casa Versati Design Brasilidade, Individual de Mosaico “Olhar & Arte – Evaldo Eras” – Escola Monteiro Lobato, Cinco Artistas & Suas Obras, Artista catalogado no Mosaic Yearbook 5/Mosaic Art 5 – Canada, MUDA, Individual “Artesselas Mosaicos – Uma Trajetória”, na Casa da Gravura, Uma cidade 7 Olhares, Individual de Mosaico “ARTESSELAS”, Reitoria da UNIVAP, Mosaicos Formas & Cores, SESC 50 Anos, Premiado no 5º Salão de Arte Contemporânea de SJC, 13º Salão BUNKYO.
Exposição permanente na escadaria do Real Parque – Morumbi/SP – 02 mosaicos: Frase e Arte como membro do Grupo “MOSAICO PAULISTA” – 2019 – Painel “O Ipê Branco e o Banhado”, Painel em Mosaico Relicário Pe. Rodolfo Komorék, Construção Coletiva – “SP MAPS PROJECT” – São Paulo – SP, Painel Dona Cândida, Portais da Fazenda Bela Vista – Salesópolis – SP, Painel “Lira do Delírio” Centro Cultural Clemente Gomes – FCCR, Painel APOENA – Biblioteca Pública Cassiano Ricardo, Painel ANGELUZ – Capela da APAC, Construção coletiva – Vitória – ES, Painel GUIA, Painel O Arquiteto
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